É difícil acreditar que chegou a hora de fazer um balanço de 2022 e de pensar no que está por vir. O ano foi tão intenso no campo do combate à desinformação que, por vezes, parecia ser composto por uma sequência infinita de dias.
Vale lembrar alguns momentos chave para entender 2022. No primeiro semestre, o TSE convocou as plataformas digitais para dialogar e assinar memorandos de entendimento. O início do segundo semestre foi marcado por um começo de campanha eleitoral onde predominou uma percepção de que a desinformação estava sob controle, sem grandes impactos. Essa percepção durou pouco e o fim da sensação de calmaria se deu nas 48h antes do primeiro turno, quando movimentos rápidos se aproveitaram de um vácuo comunicacional, da leniência das plataformas e da demora das decisões judiciais para conseguir espalhar de forma rápida e consistente discursos mentirosos. Esse novo cenário levou a uma ação enérgica do TSE concentrando poderes em si, permitindo que o tribunal agisse de ofício contra a desinformação, ampliando a proibição de anúncios online e as decisões de retirada de conteúdo. E até hoje, ainda que de forma arrefecida, vemos contestações sem fim aos resultados eleitorais e ataques às instituições.
O legado deste ano, portanto, é enorme em termos de aprendizados e de desafios para o próximo período. O primeiro deles certamente diz respeito a essas ações emergenciais. Se, por um lado, elas se mostraram importantes e efetivas para combater o cenário de desinformação e dos crimes contra a democracia que se intensificaram durante o período eleitoral, por outro, é necessário rediscuti-las a fim de construir uma estrutura mais ampla, permanente e democrática de combate à desinformação.
Um segundo ponto me parece ser aquele de que as questões de gênero e raça precisam ser tratadas como estruturais e transversais aos debates sobre o digital. Mais do que nunca o mundo digital é mais uma vertente muito real das nossas vidas, o que significa que desigualdades históricas da nossa sociedade permeiam o mundo digital e precisam ser tratados como tais. Se esse ponto pode parecer óbvio para algumas pessoas, ele constitui um desafio não desprezível inclusive do ponto de vista de como a academia e a sociedade civil tem se organizado em torno dessa agenda.
Além disso, o novo governo deu a entender que vai privilegiar a questão da desinformação e do debate sobre regras para o ambiente digital O tema parece ter sido amplamente debatido no governo de transição, incluindo diversas áreas do novo governo. Isso aponta para uma intensificação do debate sobre regulação de plataformas digitais, o que certamente exigirá uma mobilização grande de quem pesquisa e trabalha com esse tema. A linha fina que separa, de um lado, o combate às fake news, ao discurso de ódio e à desinformação de forma mais ampla e, de outro, a proteção de direitos como o da liberdade de expressão e o da privacidade não é fácil de ser estabelecida, mas tornou-se essencial para qualquer sociedade verdadeiramente democrática.
Por fim, é preciso, acredito que seja estratégico recentrar o debate: a desinformação é parte essencial, mas parcial do problema. No fundo, o debate que tentamos pautar cotidianamente é aquele de como construir um ambiente digital mais saudável, democrático e inclusivo; como construir estruturas e formas de apropriação do digital que nos permitam aprofundar e aprimorar os mecanismos democráticos.
Os desafios, portanto, são gigantes. Tão grandes quanto são o nível de conhecimento acumulado e de articulação entre diversos atores. Será esse o combustível de coragem e ânimo que nos guiará no próximo período.