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fev 19, 2024 | pontos de vista

Celular nas escolas: desafios para o uso equilibrado

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A proibição de smartphones em unidades de ensino leva ao debate sobre formas de disciplinar a relação dos estudantes com a tecnologia, sem restringir sua educação midiática e inclusão digital.

A discussão em torno de limitar ou proibir o uso de celulares nas escolas vem se fortalecendo no Brasil. Determinações de algumas redes de ensino, como a da cidade do Rio de Janeiro, no começo deste mês de fevereiro, buscam afastar estudantes da educação básica do dispositivo durante as aulas, exceto se houver autorização dos professores para um uso pedagógico, em sala de aula. No mesmo período, o governo do Estado de São Paulo decidiu bloquear o acesso a aplicativos de redes sociais e de plataformas de streaming nos ambientes administrativos e pedagógicos de suas unidades de ensino.

Esse movimento reflete algumas realidades que vilanizam o uso dos celulares e, sobretudo, o acesso que este dá às plataformas digitais e às redes sociais. Esses dispositivos têm sido usados sem equilíbrio e desordenadamente na sociedade. Nós, adultos, sentimos que o celular é cada vez mais imprescindível às atividades cotidianas e, assim, criamos uma relação de dependência tóxica com o aparelho. Também os mais novos mostram-se adictos aos dispositivos digitais, sentindo grande necessidade de estarem permanentemente conectados. 

Por isso, hoje muito se fala da dificuldade dos jovens em socializar presencialmente. Ainda que na presença de pessoas queridas, é comum que estes se rendam às interações virtuais e aos conteúdos digitais. Esse cenário representa um desafio para a educação. É preciso disciplinar o uso do dispositivo, no lar e na escola, no sentido de torná-lo um aliado das trocas humanas e não um limitador de contato interpessoal. 

No entanto, sabemos que a lógica que rege as relações no mundo digital é a do consumo. O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han, em seu último ensaio publicado no Brasil, intitulado “A crise da narração” (Editora Vozes, 2023), lembra-nos que as condições impostas pelas plataformas digitais à expressão, como a instantaneidade e brevidade dos conteúdos, nos torna hiperestimulados e, consequentemente, indisponíveis a trocas mais complexas e profundas. 

As redes sociais são, certamente, a maior expressão da crise apontada por Han. Sua atratibilidade, com conteúdos infinitos e rápidos, é intencionalmente estruturada para nos manter conectados e em estado de permanente devir: aguardamos sempre, ansiosamente, pelo próximo conteúdo, pela próxima notificação. Lidar com esse poderoso jogo de sedução é uma tarefa inglória no âmbito da educação. 

Em sala de aula, uma proposta pedagógica, cujos entendimento e adesão passam por um processo cognitivo que exige muito do estudante, pode parecer desestimulante –  ainda que não seja – frente ao acessível e divertido repositório das redes sociais. Não por acaso, alguns profissionais de educação e especialistas da área da saúde interpretam esse cenário como desleal e prejudicial a crianças e adolescentes. Por isso, muitos gestores públicos acabam por entender a proibição como válida, uma vez que a intenção, nesse contexto, é afastar o que atrapalha o processo de ensino e aprendizagem.

Distanciar-se de práticas nocivas pode, de fato, levar a uma reflexão mais aprofundada sobre hábitos que precisam ser transformados, desde que esta seja uma intenção pedagógica. Ainda que proibindo o uso privado e individual dos celulares pelos estudantes, a escola não pode se furtar à inclusão digital, promovendo o acesso crítico a recursos tecnológicos. Comunicação e Cultura Digital são novos saberes disciplinares da educação básica, que precisam ser ensinados de forma teórico-prática, o que exige o manejo crítico dos dispositivos digitais pelos estudantes. 

Dessa forma, os jovens podem refletir sobre como ter um celular o tempo todo, na palma da mão, afeta as relações do sujeito consigo mesmo, com o outro, com o mundo e com a informação. Para isso, em vez de proibir é preciso disciplinar: ora o estudante distancia-se do dispositivo, ora o utiliza com intencionalidade pedagógica, movimento a partir do qual cria novos sentidos para o uso do celular que, em vez automático e compulsivo, vai se tornando, gradativamente, crítico e equilibrado.

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Bruno Ferreira

Mestre em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), especialista em Educomunicação, pela mesma instituição, bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade Metodista de São Paulo e possui licenciatura em Educação Profissional de Nível Médio, pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP).

É assessor pedagógico do EducaMídia, programa de educação midiática do Instituto Palavra Aberta e consultor da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) e docente da pós-graduação lato sensu em "Proficiência em Tecnologias Digitais para uma Educação Empreendedora".

Foi formador de professores do Núcleo de Educomunicação, da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, professor de Comunicação e Desenvolvimento Social no Senac São Paulo e vice-presidente da Viração Educomunicação. É autor do livro "Jornalismo e educação - competências necessárias à prática educomunicativa", publicado pela editora Appris.

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