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Viena Filmes

out 30, 2023 | pontos de vista

Reflexões sobre a dificuldade de categorizar desinformação

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Em setembro eu apresentei um artigo no Intercom (Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação) sobre desinformação e quis também compartilhar as reflexões que fiz lá por aqui, mas prometo tentar não falar academiquês.

O que propus nesse artigo foi entender qual o tipo de desinformação mais circulou no segundo turno das eleições do ano passado a partir da divisão feita pela pesquisadora Claire Wardle. Ela entende o fenômeno como um ecossistema de desordem informativa e divide esses conteúdos em informação falsa, desinformação e má informação, tentando relacionar não só a veracidade do conteúdo, como também a intenção dele.

Dentro desse ecossistema, ela categoriza sete tipos de conteúdo que podem desinformar por diferentes motivos, são eles:

  • Sátira ou paródia: sem intenção de causar danos, mas com potencial de enganar; 
  • Conteúdo enganoso: usado para enquadrar uma situação ou pessoa; 
  • Conteúdo impostor: quando conteúdo genuíno é imitado; 
  • Conteúdo fabricado: conteúdo 100% falso, criado com intenção de causar danos; 
  • Conexão falsa: quando manchetes, imagens ou legendas não confirmam o conteúdo; 
  • Contexto falso: quando conteúdo genuíno é compartilhado com informação contextual falsa; 
  • Conteúdo manipulado: quando informação ou imagem genuína é manipulada para enganar.

Essa é uma conceituação de desinformação muito utilizada, mas existem várias outras, claro. Falei sobre nesse texto aqui no *desinformante e em um vídeo da série *desinformante explica:

A partir dessa conceituação da Wardle eu categorizei 62 informações falsas já checadas pelo projeto Comprova para entender em que categoria elas mais se encaixavam e se existia alguma predominância de um tipo. Por exemplo, será que nas eleições os desinformadores apostaram mais em um conteúdo impostor ou em uma conexão falsa para enganar? Será que os conteúdos manipulados, como as deepfakes, foram muito utilizados?

O processo dessa categorização já mostrou, no entanto, a dificuldade de colocar essas peças desinformativas em apenas uma caixinha, algumas delas continham elementos de mais de uma categoria, mostrando a fluidez dos conteúdos.

Por exemplo, um desses conteúdos é um áudio falsamente atribuído a Ciro Gomes, em que supostamente o político fala sobre tomada de poder pelas Forças Armadas caso o candidato Lula fosse eleito. Pela verificação do Comprova, a gravação fraudulenta foi gerada a partir de técnicas de deepfake. Pela conceituação apresentada por Wardle (2017), tal desinformação poderia ser caracterizada como um conteúdo impostor (quando o conteúdo imita uma fonte genuína, como autoridades, para disseminar uma desinformação) ou como um conteúdo fabricado (novo conteúdo que é 100% falso, criado para enganar e causar danos).

Exemplo mencionado

Considerando esses conteúdos, fiz uma nova análise mostrando as interseções entre as categorias:

Percebe-se a ausência de dois tipos no processo de categorização: conexão falsa e sátira. O primeiro deles está muito conectado à ideia de conteúdos clickbaits (caça-cliques), ou seja, quando manchetes não correspondem ao que consta no texto com, muitas vezes, o uso de termos sensacionalistas. Eu especulo que tal categoria não foi encontrada por estar muito ligada à má prática jornalística. Outra categoria que não consta é a sátira ou paródia. Por ter diversas especificidades, raramente o humor é alvo de verificações por parte dos checadores de fatos.

Além dessa questão, uma outra reflexão que penso ser importante é a predominância de ‘conteúdos enganosos’. A própria Claire Wardle reforçou a dificuldade de delimitar as fronteiras do enganoso, o que faz com que muitos conteúdos nessa categoria pela sua abrangência.

“É difícil definir o que é enganoso exatamente porque tem a ver com o contexto e as nuances e com quanto de uma citação é omitida. Até que ponto as estatísticas foram manipuladas? A maneira como uma foto foi cortada mudou significativamente o significado da imagem?” – Claire Wardle

Por fim, acho importante também tensionar os limites dessas categorias propostas a partir da intencionalidade do ator. A diferenciação entre ‘informação falsa’ e ‘desinformação’ a partir da intenção, por exemplo, se coloca pertinente quando precisamos excluir o erro jornalístico da noção de desinformar, mas também se coloca como um grande desafio para uma análise prática da questão. Até porque a intenção do criador é diferente da de quem compartilha, por exemplo, e como medir essa questão?

Penso que são pontos a serem refletidos até porque, apesar das múltiplas definições já existentes sobre desinformação e da palavra já estar inserida no nosso vocabulário, percebe-se a necessidade de aprofundar a epistemologia do termo, compreendendo também suas nuances territoriais e culturais. 

Texto original aqui.

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Liz Nóbrega

Repórter do *desinformante, mestre em Estudos da Mídia (PPgEM/UFRN) e doutoranda em Ciências da Comunicação (PPGCOM/USP). Estuda desinformação, checagem de fatos e plataformas digitais.

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