“Eu me sinto como me senti em 2020: há uma pandemia de mentiras”, afirmou Cármen Lúcia, ministra do Supremo Tribunal Federal, que assumirá, no dia 3 de junho, a presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A ministra foi uma das participantes no seminário sobre Inteligência Artificial e eleições, realizado nesta terça-feira (21) pelo TSE em parceria com a Fundação Getúlio Vargas (FGV) em Brasília.
Durante sua fala, a ministra adiantou a percepção que tem sobre a desinformação e os discursos de ódio nas plataformas digitais, que, segundo ela, trazem “enormes desafios” para o seu mandato na Corte, que substituirá o do ministro Alexandre de Moraes e que passará pelas eleições municipais deste ano. De acordo com Lúcia, o contexto atual leva a um comprometimento “grave e urgente” por parte da Corte.
“Há mentira criada, planejada e difundida que leva a pessoa a desconfiar”, prosseguiu a futura presidente do TSE na metáfora sobre pandemia. “O desafio é achar a vacina contra o vírus da mentira que explode a verdade dos fatos.”
Apesar de reconhecer que mentiras em corridas eleitorais sempre existiram, Cármen Lúcia pontuou que o contexto atual se diferencia do passado pela velocidade, volume, viralização e verossimilhança da desinformação produzida e disseminada nos ambientes digitais. “Nesse cenário, é fácil criar ditaduras”, disse.
Por fim, a ministra destacou o impacto que os discursos de ódio e os ataques políticos de gênero têm sobre candidatos e candidatas que representam populações historicamente marginalizadas. “A narrativa é falsa, mas a repercussão é real e isso gera a não democracia”, comentou.
Esta é a segunda vez que Cármen passa pela presidência do TSE. Desta vez, a ministra presidirá a corte até 2026 e terá como vice o ministro Kássio Nunes Marques. No início do ano, a ministra também foi a relatora das resoluções do tribunal que endureceram o cerco no combate à desinformação na campanha política deste ano.
Impactos da IA nas eleições
O ministro Alexandre de Moraes também esteve presente na primeira parte do evento e reforçou seu posicionamento em defesa da regulação das plataformas digitais e da IA, além de comentar sobre os efeitos que conteúdos falsos criados com ajuda das novas tecnologias podem causar em pleitos eleitorais.
Conteúdos criados com IA, segundo o ministro, podem mudar o resultado de uma eleição. “Até que aquilo seja desmentido, [o conteúdo falso] pode mudar milhares de votos e consequentemente fraudar o resultado da vontade popular”, alertou Moraes. Além disso, o ministro lembrou do trabalho do Centro Integrado de Enfrentamento à Desinformação e Defesa da Democracia do TSE, que receberá ao longo dos próximos meses denúncias sobre informações falsas, incluindo deep fakes, durante a campanha eleitoral.
A preocupação com o impacto da IA nas eleições também foi levantada por Floriano de Azevedo Marques, ministro do TSE e diretor da Escola Judiciária Eleitoral do tribunal. Marques pontuou que especificamente os impactos que o uso de IA podem trazem quando utilizadas pelas plataformas de redes sociais para recomendar conteúdos nos ambientes digitais.
“A IA traz um risco da quebra de confiança, ela tem o poder de direcionar os indivíduos a partir das condutas algorítmicas, ela leva a universos em que a própria democracia é posta em desconfiança”, comentou o ministro.
Secretária de Direitos Digitais reforça necessidade de regulação
As discussões do evento também contaram com a participação da nova secretária de Direitos Digitais do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Lílian Cintra de Melo, que abordou temas como polarização, radicalismo e regulação dos ambientes digitais.
“Abandonamos de vez o paradigma de que o ambiente digital não precisa ser regulado ou autorregulado”, afirmou a secretária. “O estado precisa olhar para esses espaços, identificar quais são seus problemas e os danos causados para que possamos endereçar de forma eficaz e direta.”
Para Lilian, a regulação deve ser voltada à proteção dos direitos individuais, sociais e econômicos dos cidadãos. Além disso, os direitos fundamentais devem ser considerados. A importância de compreender as especificidades brasileiras, inclusive regionais, na hora de importar modelos regulatórios de fora também foi destacado pela secretária. “Especificadas de cada espaço, de cada comunidade devem ser levadas em consideração”, afirmou.
Já o diretor da FGV Comunicação Rio, Marco Ruediger, ao comentar sobre a atuação do TSE no combate à desinformação, levantou a importância de estabelecer um filtro de quais tipos de informações falsas vão ser levadas priorizadas para remoção nas plataformas digitais. “O que nós vamos considerar uma desinformação que ameaça a democracia e as instituições?”, questionou Ruediger.