O ex-presidente Jair Bolsonaro passou a ser investigado pelo crime de incitação no inquérito dos atos de vandalismo ocorridos no dia 8 em Brasília, que culminou com a depredação das sedes dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, acatou o pedido feito pela Procuradoria-Geral da República (PGR) a partir da representação criminal assinada por 79 membros do Ministério Público Federal.
A acusação que recai sobre o ex-presidente é a de incitação de crime contra o Estado Democrático de Direito. A representação criminal aponta a publicação feita pelo ex-presidente em sua conta do Facebook, na qual há o questionamento do resultado eleitoral e a afirmação falsa de que Lula teria se tornado presidente por escolha do Tribunal Superior Eleitoral e do Supremo Tribunal Federal. Publicada na madrugada do dia 10 para 11 de janeiro, a postagem foi apagada 3 horas depois.
A representação cita a gravidade da publicação por ela ter sido feita após os atos golpistas de 8 de janeiro, alimentados pelas falsas narrativas de fraude eleitoral. A peça traz, também, uma longa contextualização da relação entre Bolsonaro e a disseminação de desinformação nos últimos anos, afirmando que suas falas “mostraram-se ocupar uma posição de destaque na câmara de eco desinformativo do país, e contribuíram para que a confiança de boa parte da população na integridade cívica brasileira fosse minada”.
Os membros do Ministério Público Federal afirmam que parece haver indícios fortes de que Jair Bolsonaro, “ciente da escalada de violência vivenciada pelo país nos últimos meses, alimentada por amplas campanhas de desinformação das quais ele participou de maneira destacada”, praticou crime de incitação tipificado no Art. 286 do Código Penal, “ao, em tese, realizar postagem, em seu perfil na rede social Facebook, de vídeo desinformativo sobre a integridade das instituições judiciárias e sobre a higidez dos processos democráticos brasileiros”.
Meta deve preservar a postagem apagada e entregar metadados
Aceitando as sugestões feitas pela Procuradoria-Geral da República, Alexandre de Moraes requisitou ao grupo Meta, responsável pelo Facebook, a preservação do vídeo postado e apagado no perfil do ex-presidente, assim como os metadados pertinentes à postagem (data, horário, IP etc.), “para melhor aferir sua autoria, e, por fim, informações sobre seu alcance (número de visualizações, número de compartilhamentos e número de comentários), antes de ser apagado”.
A medida, proferida dia 13, solicita ainda que especialistas em comunicação política e em monitoramento de redes extremistas sejam ouvidos para avaliar e coletar evidências do impacto da postagem junto aos grupos golpistas. Caberá à PGR indicar os nomes.
Alexandre de Moraes escreve que “o pedido encaminhado pela Procuradoria-Geral da República, em análise inicial, aponta que, tanto a conduta noticiada quanto sua posterior divulgação por meio das redes sociais se assemelham ao modus operandi anteriormente detalhado e investigado nos autos dos Inqs. 4.781/DF e 4.874/DF, no qual se revela a existência de uma verdadeira organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político, com a nítida finalidade de atentar contra as Instituições, a Democracia e o Estado de Direito”.
Os inquéritos 4.781/DF e 4.874/DF são conhecidos como o das “fake news” e o das “milícias digitais”, respectivamente. Moraes informou que o pedido de interrogatório de Jair Bolsonaro, feito pela PGR, será apreciado oportunamente uma vez que o ex-presidente não se encontra em território nacional.
Ex-ministro da Justiça chega ao Brasil e é preso
Os atos golpistas tiveram novos desdobramentos no fim de semana. Anderson Torres, ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro e também ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal do governo Ibaneis Rocha, foi preso na manhã do dia 14 ao desembarcar no Brasil. Ele estava de férias nos Estados Unidos.
Sua prisão foi decretada por Alexandre de Moraes, e referendada pela maioria do Supremo Tribunal Federal, por conivência e omissão com os atos golpistas do dia 8 de janeiro, data quando era secretário de Segurança Pública do DF e responsável pelo policiamento de Brasília. Na mesma decisão, o ministro do Supremo determinou o afastamento do governador do DF por 90 dias.
A Polícia Federal realizou mandado de busca e apreensão na casa do ex-secretário quando ele ainda estava no exterior, dia 12, e encontrou a minuta de um decreto para instaurar “Estado de Defesa” na sede do Tribunal Superior Eleitoral e alterar o resultado das eleições de 2022, ainda quando era ministro da Justiça do governo Bolsonaro.
O documento, que ficou conhecido como “minuta do golpe”, é visto como inconstitucional e indício de tentativa de ruptura do Estado Democrático, a partir de uma intervenção no Tribunal Superior Eleitoral e o não reconhecimento do resultado das urnas. Em sua defesa, Anderson Torres afirmou por rede social que havia em sua residência “uma pilha de documentos para descarte” onde provavelmente a minuta fora encontrada e que o documento seria “triturado oportunamente”.