Uma das atuações de destaque da bancada evangélica no primeiro semestre deste ano foi a oposição ao PL 2630/2020, o “PL das Fake News”, que busca regulamentar a atuação das plataformas digitais. Este é um dos resultados da pesquisa “Além do Plenário: Gênero e Raça no Congresso Nacional”, feita pela revista AzMina em parceria com o movimento Mulheres Negras Decidem. A partir de entrevistas com 42 parlamentares e investigações sobre outros 105, a pesquisa aponta para uma ofensiva do grupo evangélico contra as pautas relativas a direitos e um uso intensivo das redes sociais para tentar bloquear temas que eles consideram “nocivos”.
A Frente Parlamentar Evangélica (FPE) hoje é composta por 129 deputados e 17 senadores declaradamente evangélicos — e apoiada por mais de 220 deputados e 60 senadores. Juntos, eles monitoram cerca de 9 mil proposições. “O que eles consideram nocivo são exatamente projetos sobre direitos fundamentais. Não deveria acontecer de um parlamentar legislar a partir da crença religiosa”, afirma Ana Carolina Araújo, gerente de projetos de jornalismo e dados da Azmina
O PL 2630, por exemplo, para o deputado Eli Borges (PL-TO), um dos ouvidos na pesquisa, destrói a liberdade, sobretudo, de pregar o que está escrito na Bíblia. O deputado repete uma das fake news que mais circulou durante a tramitação do texto na Câmara, a ameaça à reprodução de versículos bíblicos. Á época, o relator do projeto, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) afirmou que a censura a Bíblia é falsa porque o projeto não cita versículos do livro cristão. Mesmo assim, a bancada evangélica repercutiu intensamente este conteúdo desinformativo nas redes sociais e o projeto acabou parado no Congresso por falta de acordo.
“O PL 2630 é muito estratégico porque eles trabalham com discurso de ódio. Com a aprovação, eles não poderão mais propagar. Então começaram a construir esta narrativa, de forma bastante organizada, sobre os versículos da Bíblia”, diz Araújo.
Para a pesquisadora, a bancada evangélica faz um uso muito eficiente das ferramentas das redes sociais enquanto parlamentares progressistas “gastam” muito tempo reagindo às fake news e discursos ofensivos do outro espectro. Um exemplo, segundo Araújo, é quando há convocação de autoridades do governo no plenário e as falas são editadas e distorcidas para uso em vídeos e montagens que sejam favoráveis à campanha antidireitos. “E estas pessoas têm um peso muito grande na tomada de decisão no Congresso brasileiro”.
Segundo a pesquisa, estrategicamente, os evangélicos conseguiram peso nas comissões que abordam questões de costume, defesa à vida e família. A frente conta ainda com parlamentares católicos, com quem compartilham a pauta conservadora.
O atual presidente da Frente, deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), chegou a dizer para a pesquisa que “em qualquer grupo que o Congresso formar debater qualquer assunto, lá estará um cristão”.
Estratégia multiplataforma mantém conteúdos desinformativos circulando
Segundo Ana Carolina Araújo, a internet é o espaço onde os parlamentares antidireitos constroem e modelam a realidade, conseguindo bastante engajamento, mas, principalmente, adotando a estratégia multiplataforma para que suas campanhas desinformativas continuem circulando.
“O número de seguidores ou de curtidas nas redes conhecidas não é mais um medidor da popularidade desses indivíduos, estes discursos conservadores circulam em ambientes mais privados onde não estamos”, afirma.
A demora na remoção de conteúdo desinformativo ou de ódio, para Araújo, é um estímulo para que a estratégia continue sendo utilizada. “Quando vem uma decisão judicial, o vídeo já foi baixado, já circulou, o efeito é pífio, dando a sensação de impunidade”.