No começo de abril, o governo argentino indicou que está trabalhando em um “pacto para o bom uso das redes sociais”. A declaração foi feita no âmbito do Conselho Econômico e Social (CES) e contou com a presença do próprio presidente argentino, Alberto Fernández.
Esse anúncio acontece em um momento em que o mundo está voltado para criar regulações para plataformas. Segundo Gustavo Beliz, líder do CES, o governo vem trabalhando em “um estudo pioneiro que estabelece e propõe um pacto para o uso adequado das redes sociais e que elas parem de intoxicar o espírito de nossa democracia”.
Em outubro de 2020, a Argentina criou o NODIO, também conhecido como Observatório NODIO, dedicado a estudar a desinformação e violência simbólica na mídia e plataformas digitais. Apesar de não ser um processo regulatório, este observatório tem o objetivo de “proteger os cidadãos de notícias falsas, maliciosas e enganosas” que circulam na Internet através de pesquisas qualitativas e quantitativas.
Observatório gera temor da censura
O Observatório está sob a Defensoria Pública, um órgão criado pelo artigo 19 da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual (Lei 26.522) do Congresso Nacional para defender a liberdade de expressão de todas as pessoas que vivem na Argentina. A criação do NODIO gerou críticas porque está vinculado ao órgão público, que por sua vez foi criado pela Lei que regula a mídia audiovisual argentina.
Em uma publicação de 2020 para o jornal La Nación, Cristina Tardáguila, então diretora adjunta da International Fact Checking Network (IFCN) e fundadora da Agência Lupa, e Laura Zommer, diretora da agência de fact-checking argentina Chequeado, questionaram a finalidade do observatório. “Será que NODIO vai trabalhar na alfabetização da mídia, com campanhas de divulgação e material educativo para alertar sobre a desinformação e seus problemas, ou será uma espécie de polícia que, com seus relatórios, limitará as vozes críticas como algumas organizações têm denunciado?”, questionaram Tardáguila e Zommer.
A Defensoria Pública é um órgão público autárquico, mas ainda assim depende do Congresso e poderia sofrer influências políticas. Uma das críticas em relação à iniciativa é que as plataformas digitais não estão enquadradas no âmbito da Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual, que está sob jurisdição da Defensoria Pública. Dessa forma, nem a mídia impressa nem a digital seriam cobertas por esta lei. A Asociación de Entidades Periodísticas Argentinas (ADEPA) defende que “o monitoramento do pensamento não favorece a liberdade de expressão”, observou em nota para o jornal uruguaio El País.
Em resposta, o NODIO indicou que suas funções incluem receber e canalizar reclamações e consultas do público, sem qualquer capacidade sancionadora. “Não há intenção de realizar nem o controle nem a supervisão do trabalho da imprensa: estas atividades são incompatíveis com as funções da Defensoria Pública”, defendeu-se em seu site.
“A Defensoria está muito longe de qualquer tentativa de controlar a informação pública. Pelo contrário, desde o início desta administração, propusemos abrir a todos os atores interessados no setor, pilares para trabalhar juntos por uma sociedade mais participativa, inclusiva e democrática”, observou Miriam Lewin, Defensora Pública do NODIO.
Esforço de diagnóstico
Outro esforço do governo é o Pacto pela Informação e Democracia, adotado em junho de 2021. A iniciativa foi promovida pela França e Alemanha com base em um relatório elaborado por Repórteres sem Fronteiras juntamente com dez organizações da sociedade civil. O esforço está focado em quatro pilares: maior transparência das plataformas, meta-regulamentação da moderação de conteúdo, promoção de informações confiáveis e o debate acerca da distinção entre espaço público e privado em ambientes digitais. O CES planejou realizar um fórum internacional para a discussão dos temas, desenvolvimento de ferramentas de alfabetização midiática para a população e criação de mecanismos para proteger a liberdade de expressão enquanto modera os conteúdos.
Como o relatório indica, a Argentina está em um processo de diagnóstico, mas não encontrou soluções ainda. Para isso, defendem que é um processo de “construção coletiva entre todos nós no ecossistema digital: os cidadãos, aqueles com responsabilidades públicas e as plataformas de conteúdo, que obviamente estão no centro deste debate”.