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Pontos de vista

maio 5, 2025 | Destaques, Pontos de Vista

Mas afinal, as redes sociais acabaram?

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No dia 15 de abril, Mark Zuckerberg depôs em um julgamento antitruste nos Estados Unidos. A Comissão Federal de Comércio (FTC) estado-unidense alega que a empresa abusou de seu poder e agiu como um monopólio ao adquirir plataformas rivais — em especial o Instagram e o Whatsapp — com o objetivo de eliminar a concorrência. Nas mais de dez horas de testemunho, Zuckerberg alegou que as redes sociais não são mais o que um dia foram — as redes sociais talvez não existam mais e agora a empresa está focada em uma “ideia geral de entretenimento, o aprendizado sobre o mundo e a descoberta do que está acontecendo.” 

O caso está em disputa. O FTC tem como objetivo provar que a Meta detém o monopólio das redes sociais, enquanto a Meta argumenta que as redes sociais são coisa do passado. A questão aqui não é refletir se realmente a Meta, na época Facebook, adquiriu o Instagram e o WhatsApp para ganhar tempo e aniquilar a concorrência. Tampouco a intenção é discutir o que pode acontecer se a Meta perder este caso. Cabe aos juristas esse debate. 

Ao invés disso, aos especialistas de plataforma, cabe uma reflexão sobre a defesa da Meta e a silenciosa e significativa transformação das redes sociais em outra coisa que ainda não sabemos o que é. Realmente as redes sociais não existem ou elas deixam de existir conforme a conveniência de seus CEOs? 

Uma [breve] História das Redes Sociais

Para quem não lembra de tempos remotos da era das redes sociais, enquanto em 2006 no Brasil nos ocupávamos com o orkut, o Facebook tinha apenas 12 milhões de usuários ativos. Na época, como colocado por Zuckerberg, o foco da empresa era somente as “conexões reais com amigos de verdade.” No Brasil, saímos de comunidades e postagens de testemunhos no Orkut e fomos para o Facebook. A conexão se tornou global. Fronteiras se desfizeram e criamos comunidades imaginárias em prol de certas causas e afinidades. Assim, a empresa que na época tinha como missão o desastroso jargão “Move Fast and Break Things” (por falta de uma tradução melhor, simplesmente: “mover rápido e quebrar coisas”), seis anos mais tarde já tinha crescido exponencialmente para 1.06 bilhões de usuários mensais  (hoje o Facebook tem  mais de 3 bilhões de usuários). 

As plataformas de redes sociais criam valor através do efeito de rede. Ou seja, quanto mais os usuários utilizam uma determinada rede social, quanto mais os usuários estão engajados e conectados, maior é o valor dessa plataforma. Para isso, empresas como a Meta investem constantemente na criação de métodos de engajamento para os seus produtos, além de expandirem suas apostas em diferentes mercados (exemplos: regiões) e demografias (exemplo: público jovem). Assim, por muito tempo, o elemento “social” seria o principal valor dos produtos da Meta. 

Entre 2012 e 2017, a média de crescimento de usuários ativos por dia no Facebook era de 20%. Por razões óbvias — visto que Move Fast and Break Things não é só uma péssima missão como também não dá direção alguma para a empresa —, em 2017 a missão da empresa mudou para o clichê “Give people the power to build community and bring the world closer together (Dar às pessoas o poder de construir comunidades e aproximar o mundo). Neste contexto, a ideia era que os usuários pudessem utilizar a plataforma “para manter contato com amigos e familiares, descobrir o que está acontecendo no mundo e compartilhar e expressar o que é importante para elas.” 

Porém, as plataformas reconhecem que o crescimento impulsionado pelo efeito de rede pode atingir um platô ou declinar, prejudicando os seus negócios. O Facebook não cresce mais como antigamente. Desde 2021, o crescimento de usuários ativos diários tem estado por volta de 5%. Basta também analisar a queda na popularidade do Facebook, especialmente entre a geração Z. Neste contexto, conexões sociais começam a perder valor e a empresa precisa se reinventar.

A Grande Mudança

Na última década, a Meta tem sido alvo de críticas ao redor do mundo por violações de privacidade, danos à saúde mental, disseminação de conteúdo de ódio e desinformação, além da intensificação da polarização — entre muitos outros problemas. Segundo Zuckerberg, os usuários também não dedicam mais tempo aos seus “amigos.” Prova disso é a queda de tempo dedicado a eles: de 22% para 17% no Facebook e de 11% para 7% no Instagram. Claro que nada disso é culpa nossa. Sabemos que as plataformas mudam seus algoritmos conforme lhes convém para manter o seu negócio de anúncios. 

Porém, se as eleições — especialmente no Brasil — nos ensinaram algo sobre o mundo das redes sociais, é que o elemento “social” talvez não seja tão primordial assim. Preferimos nos refugiar em nossas bolhas, interagindo apenas com mentes que pensam como a gente. Aqueles familiares e amigos que Zuckerberg tanto queria que nos conectássemos — não por altruísmo, mas para alimentar seus interesses de negócio —, talvez não mereça a nossa atenção digital.  E isso, claro, apenas aprofunda a sensação de polarização.

Em 2021 Facebook virou Meta para dar espaço a outros projetos de negócio, incluindo o que a empresa chama de “experiências sociais online.” Hoje a empresa não foca somente no que imaginávamos ser as “redes sociais”, existe um quê de “experiência” embutido nesse propósito.

Com foco em VR (realidade virtual), AR (realidade aumentada), wearables, IA, etc, em 2024 a missão da Meta mudou mais uma vez para “Build the future of human connection and the technology that makes it possible” (Construir o futuro da conexão humana e da tecnologia que a torna possível). Sem muito alvoroço nessa mudança de missão, a Meta resolveu não ser mais uma empresa de redes sociais. 

O “social” deu espaço a conteúdos patrocinados, criados por inteligência artificial e contas inautênticas. De repente aquela página de gatos no Instagram que seguíamos por diversão se transforma em um perfil completamente diferente com venda de anúncios, conteúdo sensacionalista ou desinformação. Amigos foram substituídos por influencers — e estes em breve serão substituídos por influencers desenvolvidos por IA — os fatos diminuíram e cada vez mais consumimos junk news, clickbait, conteúdo sensacionalista e conspiratório. 

Em Eterna Mutação

As redes sociais certamente mudaram muito. Em parte, por conta do interesse de negócio das plataformas; em parte, devido ao comportamento dos usuários — que muitas vezes reagem aos problemas causados por essas redes. Em constante mutação, as redes sociais conquistaram sua base de usuários e, aos poucos, se transformaram em algo completamente diferente para servir aos seus interesses de negócios. 

Para nós, usuários, essas mudanças acontecem de forma acelerada e muitas vezes só nos damos conta quando há uma ruptura evidente: uma decisão de um CEO, a venda de uma plataforma (como no caso do Twitter), a pressão da concorrência, uma grande crise coloca em jogo a nossa confiança nessas ferramentas, ou até mesmo novas regulações e inovações tecnológicas que colocam em xeque essas plataformas. Nesse processo, fomos capturados, conectados e servimos aos interesses políticos e econômicos das empresas e de seus CEOs. Para elas, essa transformação é uma questão existencial — e parte integral da sua estratégia de negócios. Elas moldam o que será o “futuro,” e cabe a nós usuários entender como somos parte do experimento. 

As redes sociais realmente acabaram? Para as plataformas, a melhor estratégia de defesa é manter tal categorização ambígua para evitar qualquer tipo de responsabilidade. Em certos contextos, elas se apresentam como redes sociais para evitar o papel de árbitras da verdade — com isso, assumem uma responsabilidade mínima. Em outros, elas deixam de ser redes sociais quando essa identidade implica obrigações regulatórias. E nós, usuários, ficamos no meio do experimento de mutação — cada vez nos vemos mais em um bombardeio de consumo e controle da nossa atenção para manter as operações e negócios dessas empresas e encontrar novos métodos de faturamento.

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Andressa Michelotti

Doutoranda do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais, pesquisadora do Margem — Grupo de Pesquisa em Democracia e Justiça (UFMG) e membro do Governing the Digital Society na Universidade de Utrecht, Holanda.

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