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set 29, 2021 | boas polêmicas

Afinal, as mídias sociais criam bolhas onde só vemos postagens alinhadas com o que pensamos ou elas também criam espaço para divergências?

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Modelo das plataformas favorece as bolhas e sociedade deve se articular para a volta do debate plural

Raquel Recuero

Essa é uma questão muito importante, que várias pesquisas na área da desinformação têm tentado responder. Mas para discuti-la, precisamos primeiro entender o conceito de bolha na mídia social. Essa ideia, que foi proposta por vários pesquisadores, como o Eli Pariser, que usa a noção de filtro-bolha. Mas o que é isso?

Basicamente, a ideia é que as plataformas de mídia social têm características técnicas e de apropriação pelas pessoas que facilitam a presença de conteúdos semelhantes para pessoas que tendem a concordar com ele. Sabemos que redes sociais, ou grupos sociais, funcionam dentro de uma tendência à homofilia. Isso quer dizer que tendemos a nos conectar mais com pessoas que são parecidas conosco, que pensam da mesma forma, que têm os mesmos valores. Isso significa que grupos sociais tendem a ser mais “homogêneos” em termos de ideologia. Claro, não de modo absoluto. Na vida offline, sempre tem aquele conhecido que pensa diferente, aquele com que não concordamos muito, com quem falamos, eventualmente, ou até mesmo faz parte do nosso grupo de amigos, mas não se fala no assunto que gera discordância.

Já nas plataformas de mídia social, esse tipo de “filtro” não acontece e tendemos a ir deletando ou silenciando aquelas pessoas que pensam diferente e participando de grupos ou páginas que se alinham com o pensamento. Além disso, as próprias plataformas buscam aumentar o tempo que passamos nelas, através de algoritmos que tendem a nos mostrar mais aquilo com que concordamos e interagimos mais positivamente. E nós também, compartilhamos mais aquele tipo de conteúdo com o qual concordamos (o famoso “viés de confirmação”). 

O conjunto desses fatores tende a criar um efeito de “câmara de eco”, onde temos a impressão de que “todos” concordam conosco quando, na verdade, a rede reverbera apenas aquele conteúdo que se alinha com o que pensamos. E esse fenômeno é chamado de bolha, onde por conta da circunstância estamos dentro de um grupo onde circula sempre o mesmo conteúdo (com o qual concordamos), enquanto aquele que desafia as nossas crenças vai sendo filtrado e não aparece. Com isso, temos a falsa impressão de que há uma “expressiva maioria” que concorda conosco, enquanto, na realidade, estamos apenas observando um efeito de câmara de eco por estarmos em um mesmo grupo. É como se estivéssemos presos em uma sala onde todas as pessoas concordam conosco, e somos incapazes de ver o resto do mundo, onde há opiniões diversas. 

As plataformas de mídia social têm uma importância fundamental para o consumo de informação em vários países, e notadamente no Brasil. Dados da pesquisa TICS do Comitê Gestor da Internet (CGI), por exemplo, mostram que existe um aumento expressivo do acesso à internet no Brasil que é, em sua maioria, realizado via celular (99%), dos quais 78% usam plataformas de mídia social e 92% para acessar aplicativos de mensagem (que também fazem parte do ecossistema de mídia social). Em todo o mundo, cada vez mais pessoas acessam informação por essas plataformas, sem se dar conta, por exemplo, que o que elas enxergam na sua “linha do tempo” é delimitado por um algoritmo (e portanto, é diferente para cada um) e pelas escolhas da sua rede de contatos. Com isso, poucas pessoas compreendem que esse conteúdo não é “todo” o conteúdo. E é exatamente nessas premissas que o estudo das bolhas informativas tem sido desenvolvido, pois parece que a presença pervasiva dessas plataformas no cotidiano tende a reforçar as bolhas e os efeitos de câmara de eco. 

Esse fenômeno tem sido estudado, principalmente, em uma das esferas onde ele  tem gerado maiores problemas: as conversações políticas. A maior parte dos estudos relacionados a essas bolhas nos diferentes países têm focado os efeitos e a presença delas nas conversações políticas (o trabalho do Pablo Barberá tem sido bastante importante neste contexto). E boa parte desses trabalhos tem mostrado que há, nessas conversações, a presença frequente da câmara de eco, com um forte alinhamento com o discurso populista, conservador e de extrema-direita (embora bolhas também tenham sido encontradas em contextos de polarização, dentro da esquerda). 

Assim, as bolhas têm sido creditadas com os efeitos de polarização política, extremismo político e, também, com o espalhamento de desinformação, já que tendemos a concordar com aquilo que circula ali. Isso implicaria em uma radicalização e alienação do pensamento gerada pela presença na bolha, onde as crenças jamais são desafiadas.

Mas isso significa que não temos como sair das bolhas? Não necessariamente. Outros pesquisadores, como o Axel Bruns, desafiam essa concepção. Bruns alega que, na prática, há acesso a conteúdo diverso sim, e que na média temos contato com mais coisas diferentes do que as bolhas determinariam. Além disso, ele alega que os termos nunca foram bem definidos e são aplicados para contextos diferentes na mídia social. Na verdade, além disso, sabemos que há redes sobrepostas de interação, como os grupos de amigos, parentes e outras redes que frequentamos no mundo offline, também, que se sobrepõem e complementam os conteúdos que recebemos nas redes online. Ou seja, neste contexto, teríamos sim, contato com conteúdos diferentes, mas escolheríamos seguir aqueles que mais confirmam as nossas crenças. Teríamos a possibilidade, assim, de “furar” as bolhas. E quanto maior a diversidade de espaços que frequentamos, maior a chance de termos contato com conteúdos diversos, que ajudariam a relativizarmos nossas posições, pensando também em contrapontos às nossas certezas. 

Chegamos então à questão central dessa discussão. Mas será que as mídias sociais criam espaços para divergências? Ora, primeiramente, precisamos compreender as dinâmicas das diferentes plataformas. Há plataformas muito mais públicas, como o Twitter, onde a expressiva maioria das mensagens é pública e há os chamados “trending topics” que acabam sendo frequentemente apropriados para dar visibilidade a debates políticos, por exemplo. Nesse contexto, mesmo dentro de grupos onde circula mais um tipo de conteúdo, é possível e provável que se tenha contato com outros tipos de conteúdo. 

Já em ferramentas mais privadas, como o Facebook ou o WhatsApp, o conteúdo circula menos publicamente e mais em grupos e páginas fechados. Além disso, não há como conteúdos chegarem aos usuários, a não ser por meio de sua própria rede. Deste modo, nessas ferramentas, o conteúdo encontra mais barreiras para circular. No entanto, são essas últimas plataformas as mais utilizadas no Brasil. Além disso, é importante ressaltar que essas mesmas plataformas também podem ser utilizadas para a promoção de ações coletivas que visem o diálogo democrático. Como fazer então? 

Ora, as mídias sociais sozinhas não criaram espaços para o debate. Para isso, é preciso trabalhar a apropriação, o uso desses canais. Para que a mídia social  seja um espaço para divergência, onde se pode debater, é preciso ampliar essa discussão para outros elementos. É preciso sair do online. Isso porque o contexto online dificilmente será alterado por ação única das plataformas. Um primeiro ponto necessário, que temos apontado nas nossas pesquisas, é a necessidade de criar outros espaços, principalmente utilizando a mídia tradicional, que tragam conteúdos que permitam conscientizar as pessoas da importância do debate para a democracia. Além disso, ações contundentes contra a desinformação, que atua diretamente no fechamento dessas bolhas, são muito importantes. 

É necessário também que as pessoas tenham  disposição para o debate. Isso significa que muito dificilmente se conseguiria, de saída, debater com aquelas pessoas que já estavam completamente polarizadas e extremizadas. Assim, é preciso construir espaços de diálogo, ampliando a circulação de conteúdo verificado e ampliando os espaços democráticos e, sobretudo, utilizando algum tipo de ação de letramento digital, proporcionando que as pessoas conheçam e dialoguem sobre o fenômeno para que possam, também, entender o que significa a bolha e como ela impacta na radicalização das opiniões. 

Finalmente, precisamos também exigir ações mais contundentes das plataformas no sentido de limitar a circulação de conteúdo que favorece a polarização – e refiro-me aqui principalmente à desinformação – que tem aparecido, consistentemente, como um dos pontos mais fundamentais para ampliação dessas bolhas e das conversas extremizadas para outros assuntos. Ou seja, por conta da desinformação, o enquadramento político das conversações acaba sempre privilegiando a divisão, a radicalização e a circulação parcial de ideais, reforçando os muros que nos dividem e nos afastam. Mesmo temas coletivos, como a própria pandemia de Covid-19 e as ações possíveis para combater a disseminação do vírus foram polarizadas assim. 

Para que as mídias sociais se tornem espaços para as divergências democráticas é preciso que nós também valorizemos esses debates e nos posicionemos como defensores da discussão. É preciso lembrar que a democracia se faz no debate e não na radicalização polarizada. É preciso lembrar que a democracia se faz na educação e não na desinformação. É preciso valorizar a ciência, valorizar as instituições e a própria democracia. É preciso lembrar, é preciso reconstruir. Deixar essa função apenas ao cargo das plataformas, cujos escritórios internacionais se afastam do Brasil e de nosso contexto, e cujos princípios não estão necessariamente alocados no bem-estar dos povos e no fortalecimento das instituições democráticas, é irreal. Precisamos começar por nós e pelas nossas ações. 

Raquel Recuero é coordenadora do Laboratório de pesquisa MIDIARS (mídia, discurso e análise de redes – https://wp.ufpel.edu.br/midiars/) e professora e pesquisadora da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

 

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Lógica das mídias sociais gera episódios de exposição acidental a conteúdo dissonante

Rodrigo Carreiro

Basta uma breve reflexão a respeito de como nos relacionamos atualmente para entender a centralidade das mídias sociais no cotidiano. Realizamos transações bancárias em poucos cliques, compramos de roupas a eletrodomésticos em apps, trabalhamos e nos reunimos remotamente e, claro, também consumimos informação a partir dos ambientes digitais. A digitalização do mundo da vida, como dizem uns, é perceptível quando termos e ideias antes pouco ou nunca comentadas passam a fazer parte do vernáculo diário, como memes e bolhas. Esse último termo, em particular, passou a ser acionado para explicar que as mídias sociais estariam comprometendo a saúde democrática por permitir uma ultra personalização do conteúdo a ser consumido, o que, portanto, impediria o enfrentamento de ideias que é tão benéfico para a democracia. As pessoas estariam fechadas em suas bolhas informacionais debatendo com outras que pensam igual, tornando a esfera pública menos diversa e plural. Mas, num país marcado recentemente por corrida eleitoral acirrada e intensos processos de discussão política online, a ideia de bolhas hermeticamente fechadas para divergências parece ter pouco reflexo na realidade.

Em termos de consumo de informação em mídias sociais, bolha quer dizer a construção de redes informativas convergentes com seu próprio pensamento político. Mas se engana quem pensa que essa é a ponta final do processo; estamos falando, na verdade, do pontapé inicial para o consumo de informação por meio de mídias sociais. A lógica de funcionamento dessas plataformas exige que o usuário construa uma ideia inicial de como quer que sua rede se comporte, mas a continuidade dessa jornada não depende exclusivamente de escolhas individuais. A experiência das mídias sociais é iniciada a partir das bolhas, mas seguem trajetórias diversas a depender do modo como se utiliza essas redes.

O ambiente complexo de mídia apresenta ao cidadão um processo de consumo nada linear, com pouca capacidade de controle (embora algumas plataformas digam o contrário) e que se aproxima mais de um fluxo desordenado de informações provenientes de fontes primárias e secundárias diversas. Numa sociedade plural, democrática e livre, o modo como as pessoas encaram discussões políticas ou consumo de informação pode variar muito. Some-se a isso fatores individuais imprescindíveis para qualquer tomada de decisão: nível cognitivo, interesse político, eficácia política, fatores psicológicos, dentre outros.

Podemos dizer que a ideia que enfrenta diretamente a noção de bolhas é a exposição inadvertida ou acidental. As pessoas podem, em certo ponto, procurar opiniões e indivíduos que compartilhem da sua ideologia. Mas, de algum modo, consciente ou não, negativo ou não, as pessoas acabam confrontando ideias de modo inadvertido.

Na lógicas das mídias sociais, o indivíduo consome informação majoritariamente por meio da sua própria timeline, que é única e mutável a cada refresh que se dá na página ou no app. Uma comparação simples ajuda a entender: o Orkut, rede social de estrondoso sucesso no Brasil em meados da década retrasada, funcionava a partir da dinâmica de comunidades, ativamente acionadas pelo usuário. O Facebook e o Twtiter, por exemplo, demoliram essa ideia ao adotarem a timeline de eventos de interesse, tornando a experiência ainda mais difusa ao desenvolver mecanismos como a “intromissão” de perfis e opiniões provenientes de curtidas e comentários de terceiros. Estudos comprovam, ainda, que existem tipos diferentes de usuários que desempenham papéis distintos – e um tipo peculiar é aquele que propositadamente procura pelo enfrentamento. Mesmo em pequeno número, esses indivíduos são capazes de mobilizar grande quantidade de atenção e contra-ataque por parte de grupos ideologicamente contrários. Os ambientes digitais, principalmente em episódios de grande atenção pública direcionada, podem se tornar verdadeiras arenas de embate aberto entre fandoms de origens diversas que usam a visibilidade e o alcance das redes para levarem à frente suas necessidades e demandas políticas.

Não é possível estabelecer uma linearidade no que diz respeito a grupos sociais bem fechados e amarrados, principalmente, porque na sociedade complexa de hoje as fronteiras entre “ideologias” e pensamentos políticos não são tão claras assim. A dieta midiática de cada indivíduo varia bastante, o que nos leva a compreender que o consumo é vasto, complexo e multifacetado, tanto do ponto de vista da variedade de opções, quanto da variedade de como consumir cada produto. Além disso, as pessoas são “obrigadas” socialmente a interagir com outras com que não necessariamente concordam – seja no trabalho, faculdade, na família ou em outros ambientes de socialização.

As plataformas de mídias sociais dependem exclusivamente de um certo comportamento de seus usuários. O interesse é que eles fiquem cada vez mais restritos a esses espaços, seja para consumir conteúdo, seja para produzir. Necessitam que o cidadão desenvolva sua capacidade interativa para permanecer ativo – e a convergência de ideias não é suficiente para mobilizar as pessoas perpetuamente. A divergência, o embate, o confronto e a composição de um ambiente potencialmente belicoso é fundamental para o modelo de negócios. Afinal, se as bolhas fossem o padrão e o modelo de apropriações das mídias sociais, o que explicaria as constantes e intensas discussões políticas online?

Rodrigo Carreiro é doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e mestre pela mesma instituição. É pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD)

 

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