Início 9 Destaques 9 A roupa nova do rei e o que podemos fazer sobre a mudança de regras na Meta

Pontos de vista

jan 18, 2025 | Destaques, Pontos de Vista

A roupa nova do rei e o que podemos fazer sobre a mudança de regras na Meta

COMPARTILHAR:

Muitos de nós ouvimos, na infância, o conto de fadas de Hans Christian Andersen intitulado A Roupa Nova do Rei — aquele que conta a história de um rei vaidoso, consumista e tolo que se deixou enganar por dois vigaristas que lhe ofereceram um traje afirmando ser o mais suntuoso de que se tinha notícia. O rei, mesmo sabendo que não havia traje algum — pois nas provas da suposta vestimenta se via nu — finge acreditar na falácia, pois os impostores haviam dito que apenas os inteligentes poderiam ver o traje. Assim, cheio de empáfia e orgulho, o rei sai em desfile pela cidade completamente nu, enquanto todos os presentes o aplaudem, referendando a mentira para não serem vistos como incapazes. Até que, do alto da sabedoria infantil, no meio do desfile, uma criança exclama: “O rei está nu!”, descortinando a verdade que todos fingiam não ver. O rei, por sua vez, recusa-se a reconhecer o fato e segue em frente, afirmando para si próprio que “o desfile tem que continuar”. Esse conto popularizou-se como uma lição sobre o quanto a sede de poder, a vaidade e o egoísmo podem cegar não apenas o dirigente de uma nação, mas toda uma sociedade. Tão atual, não é verdade?

Não por acaso, esse conto nos remete imediatamente ao recente anúncio feito pelo CEO da Meta, Mark Zuckerberg, sobre mudanças nas políticas de moderação de suas plataformas. Entre outras medidas preocupantes, Zuckerberg anunciou o fim da operação de checagem de fatos em todas as redes da Meta, o relaxamento das diretrizes de comunidade e a remoção de filtros automáticos para moderação de conteúdo — especialmente em temas sensíveis como imigração e gênero. Essas mudanças criam um terreno fértil para a amplificação de desinformação e discursos nocivos em escala global.

Tal como o rei que finge não ver que está nu, Zuckerberg age como se estivesse tudo bem em reduzir drasticamente a moderação de conteúdos impróprios, danosos e desinformativos em suas plataformas, sob o pretexto de que a moderação é uma “ameaça à liberdade de expressão”. Como o imperador do conto, ele resolve “seguir com o cortejo”, ignorando as consequências dessa decisão. Curiosamente, esse é o mesmo Zuckerberg que, no passado, pediu desculpas públicas às famílias que processaram a empresa por danos causados por conteúdos prejudiciais disseminados nas suas redes. Agora, ele anuncia que a responsabilidade pela verificação de fatos passa a ser dos próprios usuários. O rei está nu. E agora? Nos perguntamos, estupefatos diante da clareza com que os fatos se apresentam.

O que já era problemático, ficou pior. Se antes já nos preocupávamos com a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital e defendíamos a necessidade de regulamentação das plataformas, agora essa preocupação e mobilização precisam ser redobradas. Mais desamparados e navegando, literalmente, à deriva, é fundamental que nos organizemos para enfrentar esse desafio que se impõe para toda a sociedade.

Nesse cenário, torna-se essencial a ação conjunta de famílias, escolas, governo, sociedade civil e influenciadores digitais para a criação de soluções que garantam um ambiente online mais seguro para crianças e adolescentes. A formação de uma rede de proteção vigilante, bem informada e preparada pode fazer toda a diferença. Se as plataformas se recusam a assumir seu papel nessa rede, cabe a outros atores cumprirem funções igualmente importantes.

Com a recente proibição do uso de celulares nas escolas brasileiras, sancionada pelo presidente, o governo reforça seu papel regulatório na busca por soluções que protejam os jovens no ambiente digital. Do lado da sociedade civil, o Redes Cordiais promove ações voltadas ao combate à desinformação e aos discursos de ódio. A educação midiática, ao desenvolver habilidades críticas e reflexivas, é uma poderosa aliada na prevenção dos danos causados pela desinformação, ajudando pais e responsáveis a exercer um controle equilibrado sobre o que suas crianças e adolescentes acessam nas redes sociais.

Convidamos também influenciadores digitais a se tornarem aliados nessa causa. Como pessoas que dialogam diretamente com milhares de seguidores e exercem enorme poder de influência, os criadores de conteúdo são atores estratégicos no fortalecimento dessa rede de proteção.

Para contribuir com esse esforço, o Redes Cordiais, em parceria com o Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS), acaba de lançar o Guia para Influenciadores e Comunicadores: Como Apoiar a Proteção de Crianças e Adolescentes Online?. Destinado prioritariamente a criadores de conteúdo voltados para o público infantojuvenil, o guia também é um recurso valioso para apoiar pais e responsáveis na educação digital. Com um conteúdo didático e sintético, o material busca fortalecer essa rede de proteção, inspirando diferentes atores sociais a realizar uma educação midiática eficaz e competente.

Acreditamos que influenciadores, pais, responsáveis, jornalistas, jovens e educadores bem informados e críticos tornam-se aliados fundamentais no combate à desinformação e na construção de um ambiente online mais seguro para crianças e adolescentes. A responsabilidade de proteger esse público é de todos nós, e o fortalecimento dessa rede de proteção é urgente e inadiável.

COMPARTILHAR:
Clara Becker e Januária Cristina Alves

Clara Becker é jornalista especializada em combate à desinformação e cofundadora do Redes Cordiais. É também formada em Letras pela UFRJ e coautora dos livros “The Football Crónicas” e “Los Malos”.

Januária Cristina Alves é mestre em Comunicação Social pela ECA/USP, educomunicadora, autora de mais de 50 livros infantojuvenis e duas vezes vencedora do Prêmio Jabuti de Literatura Brasileira. É colunista do Nexo Jornal e membro da Mil Alliance, a Aliança Global para Parcerias em Alfabetização Midiática e Informacional da Unesco.