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acervo pessoal

out 24, 2022 | pontos de vista

A prisão de Jefferson e o papel do Judiciário na contenção da escalada autoritária

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A recente prisão do ex-deputado federal Roberto Jefferson acendeu o alerta para a importância da atuação do Judiciário na contenção da decadência democrática.

Atualmente, tramitam no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) inquéritos que investigam a disseminação de desinformação – fake news, atos antidemocráticos e a atuação de milícias digitais, cujas manifestações atentam contra os princípios fundamentais da República Federativa do Brasil: o pluralismo político, a independência e harmonia entre os Poderes da União, a democracia participativa e a prevalência dos direitos humanos, por exemplo.

A prisão de Roberto Jefferson decorreu da Petição nº 9.844/DF, oriunda do Inquérito nº 4.874/DF – dos atos antidemocráticos, que foi instaurado para apurar suposta “organização criminosa, de forte atuação digital e com núcleos de produção, publicação, financiamento e político, absolutamente semelhante ao que identificou o Inquérito 4.781, o chamado Inquérito das Fake News. Ambos investigam organizações que têm a nítida finalidade de atentar contra a Democracia e o Estado de Direito.  

A liberdade de expressão, a manifestação do pensamento, o direito de reunião e de associação são garantias fundamentais asseguradas na Constituição Federal, de forma que o exercício desses direitos não pode sufocar  o pluralismo político e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Portanto, a liberdade de expressão não pode legitimar discursos antidemocráticos e a desinformação em si, como a volta da ditadura, deposição de Ministros, a fragilização do sistema eleitoral, e a ofensa a ministros das Cortes Superiores, especialmente as palavras de baixo calão e xingamentos, como as proferidas contra a ministra Cármen Lúcia por Roberto Jefferson.

Ataques à Suprema Corte

A revogação da prisão domiciliar não se deu exclusivamente pelas ofensas criminosas proferidas pelo ex-deputado. Respondendo por violação à Lei de Segurança Nacional, incitação ao crime, dano contra o patrimônio público e por homofobia, Jefferson descumpriu as medidas cautelares que impunham a proibição de contato com correligionários partidários, a concessão de entrevistas e a promoção e compartilhamento de notícias falsas, de crimes contra a honra dos ministros – como o praticado contra a ministra Cármen Lúcia – e a atribuição e/ou insinuação de prática de atos ilícitos por membros da Suprema Corte.

Não bastassem todos esses ilícitos, Roberto Jefferson resistiu à ordem de prisão e praticou tentativa de homicídio contra os policiais federais que cumpriam a ordem do STF.  Por este crime, foi proferida nova ordem de prisão em flagrante pelo ministro Alexandre de Moraes, no mesmo dia 23 de outubro.

Observa-se, desta forma, que o STF, na qualidade de guardião da Constituição Federal, tem o papel de julgar os princípios, direitos e garantias fundamentais e de limitar os impulsos autoritários das autoridades públicas e dos próprios cidadãos.

Neste sentido, o STF e o TSE, como vetores estabilizadores da democracia, detêm relevante missão de proteção da ordem democrática, como se depreende da análise dos Inquéritos nº 4.781/DF, 4.828/DF, 4.874/DF, 4.878/DF e 4.879/DF, todos do STF, e do inquérito administrativo nº 0600371-71.2021.6.00.0000, do Tribunal Superior Eleitoral, instaurados para enfrentar o processo de deterioração democrática em curso no Brasil.

O Inquérito 4.781/DF é o responsável por reunir as investigações contra as ditas fake news, que colocam em xeque a lisura do processo eleitoral, a honorabilidade do STF e seus ministros, e que investiga o dito “Gabinete do Ódio”. No curso do processo, os deputados federais Alexandre Frota, Joice Hasselmann, Nereu Crispim e Heitor Freire prestaram depoimento e confirmaram a existência de uma estrutura dedicada a disseminar notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às instituições, dentre elas o Supremo Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática.

O inquérito ainda está em tramitação e já houve a determinação judicial de busca e apreensão de dispositivos eletrônicos conectados à internet dos investigados, bloqueio das redes sociais, afastamento do sigilo bancário e fiscal, oitiva de deputados federais e estaduais ligados ao gabinete do ódio. Deste inquérito decorreu a Ação Penal nº 1.044/DF que resultou na prisão e condenação do deputado federal Daniel Silveira, e a notícia-crime contra o próprio presidente Jair Bolsonaro, por ter divulgado dados sigilosos e levantado suspeita sobre a higidez do processo eleitoral.

O Inquérito nº 4.828/DF – chamado de inquérito dos atos antidemocráticos – é oriundo dos atos ocorridos no dia 19 de abril de 2020, em diversas cidades no Brasil. Dentre as palavras de ordem dos manifestantes estavam o pedido de fechamento de instituições democráticas como o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, a volta da intervenção militar e do AI-5 – o ato institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, que previa o recesso do poder legislativo, a suspensão dos direitos políticos, suspensão do habeas corpus, das garantias das carreiras públicas –, dentre outros. A relatoria também foi distribuída para o ministro Alexandre de Moraes. Arquivado, a pedido da Procuradoria-Geral da República, se desdobrou em outro inquérito, a pedido de mais apuração da Polícia Federal.

Então, foi instaurado o inquérito 4.874/DF, oriundo do arquivamento do anterior, para investigar uma “milícia digital” que conta com o apoio de empresários, agentes políticos e  pessoas em cargo em comissão, que supostamente usam as dependências e os recursos dos poderes Legislativo e Executivo para produzir e disseminar desinformação, atentando contra a democracia e o estado de direito.

Investigar os financiadores da desinformação

Dentre as petições em apartado que tramitam neste inquérito, está a operação policial envolvendo empresários integrantes do grupo “WhatsApp Empresários & Política” que, supostamente, estariam financiando a produção e a divulgação de notícias fraudulentas de caráter eminentemente antidemocrático, às vésperas do 7 de setembro, fomentando ataques às instituições e ao próprio estado democrático de direito, destacando-se o poder de alcance dessas notícias, em razão do poder financeiro dos empresários envolvidos.

Por fim, tramita no Tribunal Superior Eleitoral o inquérito nº 0600371-71.2021.6.00.0000, instaurado para apurar a conduta do presidente Jair Bolsonaro, que divulgou dados sigilosos em uma live realizada em agosto de 2021, na qual afirmou que houve um ataque hacker ao TSE em 2018, lançando dúvidas infundadas sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas e sobre o sistema eleitoral como um todo, que se correlaciona com o inquérito do STF nº 4.878/DF. Deste inquérito decorreu a ordem para proibir a monetização de canais nas redes sociais que divulgavam desinformação sobre o sistema eleitoral.

Ainda em agosto de 2021, o relator ministro Luis Felipe Salomão determinou a suspensão da monetização de perfis de Adilson Nelson Dini – RAVOX, Allan dos Santos, Allan Lopes dos Santos, Bárbara Zambaldi Destefani, Camila Abdo Leite do Amaral Calvo, Emerson Teixeira de Andrade, Fernando Lisboa da Conceição (Vlog do Lisboa), Fernando Lisboa da Conceição (Vlog do Lisboa2), Folha Política, Jornal da Cidade On Line, Marcelo Frazão de Almeida, Nas Ruas, Oswaldo Eustáquio, Roberto Boni – Canal Universo, Terça Livre.

Assim, pode-se dizer que as decisões tomadas no curso dos inquéritos acima descritos contribuíram para inibir uma escalada autoritária maior. Se não pelo seu caráter inibitório em si, mas por ter desmobilizado organizações antidemocráticas, como na prisão dos integrantes do acampamento com características de milícia “300 do Brasil”; na coerção aos empresários que supostamente estariam financiando atos antidemocráticos do dia 7 de setembro, com a busca e apreensão, bloqueio de contas bancárias e das redes sociais; com a prisão de Daniel Silveira, que inibiu que outros parlamentares usassem suas redes sociais para ameaçar a integridade física de ministros, por exemplo. Recentemente, com a prisão de Roberto Jefferson, vimos que o Poder Judiciário tem dado sua parcela de contribuição para coibir os arroubos autoritários de figuras populistas que exercem o poder, e sustentar a normalidade constitucional, para a estabilidade e consolidação democrática.

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Evelyn Melo Silva

Advogada. Mestranda em Direito Público pela UERJ. Especialista em Direito Digital. Membro da Comissão de Direito Constitucional, de Direito Eleitoral e de Proteção de Dados e Privacidade da OAB/RJ.

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