As chamadas mídias tradicionais ou o jornalismo de referência são frequentemente apontados como uma bóia de salvação em um mar de informações falsas. E de fato, muitas vezes, o são. Essas organizações procuram seguir princípios jornalísticos que envolvem processos de apuração e narração sobre os fatos. Isso tende a garantir uma maior fidedignidade da informação. Além disso, esses princípios buscam, ao menos em teoria, garantir pluralismo de fontes e diversidade de pontos de vista. Além disso, em vários países (inclusive no Brasil) as mídias eletrônicas estão sujeitas a obrigações legais com a verdade, podendo ser acionadas judicialmente por informações falsas. Neste sentido, o aumento da confiança na mídia tradicional, apontado pelo Digital News Report 2021, é um alento em termos democráticos.
Essas mídias, no entanto, não podem ser sempre consideradas como bastiões da verdade. Parte delas se comporta de forma tendenciosa e enviesada, e o fato de estarem nas mãos de poucos proprietários faz com que, em certos casos, interesses particulares – sejam eles econômicos ou políticos – dos seus donos influenciem a cobertura jornalística. Ou seja, a solução para a infodemia que vivemos hoje não pode estar em simplesmente retornar à situação anterior, em que os meios tradicionais eram os mediadores quase exclusivos da esfera de visibilidade pública.
Além disso, os discursos desinformativos também colocam novos desafios à mídia tradicional na definição do que deve ser considerado como ponto de vista válido dentro de uma apuração. Até onde um discurso representa apenas uma opinião diferente, “o outro lado da questão”, e a partir de onde ele é simplesmente falso e, portanto, um desserviço ao debate público? Por exemplo, um negacionista da mudança climática deve ser ouvido em um debate ambiental? Ou sua posição é simplesmente a defesa de um discurso falso visto que já foi suficientemente superada por evidências científicas? Essa definição, apesar de nem sempre ser simples, é muito importante para que as mídias tradicionais não acabem tendo um papel de amplificar discursos falsos.
Exemplo marcante
Uma pesquisa identificou, por exemplo, que, em grupos de Facebook onde discursos desinformativos são altamente compartilhados, links para a mídia tradicional são usados para reforçar a desinformação. Isso acontece sobretudo em relação à desinformação que reforça o discurso político de integrantes do governo federal. Os pesquisadores alertam que é necessário que jornalistas tomem muito cuidado ao produzir notícias e especialmente manchetes para que elas não sejam usadas neste sentido e acabem amplificando discursos falsos.