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maio 2, 2022 | Pontos de Vista

A esperada treta do Dia das Mães

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Não existe data comemorativa em nosso calendário que me irrite mais que o Dia das Mães. Eu sou mãe, mãe de humano. E olha aí o gancho para uma treta que, Nossa Senhora do Cancelamento me proteja, mas eu vou entrar sim.

A maternidade é assunto que vem carregadinho de estereótipos, julgamentos e muita, muita desinformação.

Quando eu penso na desinformação no universo da maternidade eu sempre penso que ela pode ser teórica (eu já mencionei em outros textos desta seção Ponto de Vista sobre parto e aleitamento) ou pode ser fruto de uma romantização exarcebada que cerca o tema.

Eu gostaria que, por exemplo, o aleitamento materno fosse tratado como questão de saúde pública e não apenas como objeto de disputa entre mulheres – para que se condene ou absolva suas maternagens – tal como foi feito recentemente por uma marca de cosméticos na publicidade de Dia das Mães deste ano.

Sem sombra de dúvidas, a publicidade produzida para essa data é o meu gatilho. Eu sinto uma disfuncional atração pelas campanhas de Dia das Mães, que são, em boa parte, péssimas! Eu não quero ignorá-las, o que eu quero é assisti-las e levá-las para as rodinhas de bate-papo com amigas – mães ou não – e tretar até que cheguem as campanhas de Dia dos Pais.

No ano passado, uma marca de calçados resolveu produzir uma campanha de Dia das Mães sem colocar nenhuma mãe em sua peça publicitária. A marca achou uma excelente ideia dar visibilidade e remunerar apenas filhas. Uma campanha de Dia das Mães sem mães é como amor sem beijinho, Buchecha sem Claudinho. Fiquei fantasiando um plot twist da marca lá em agosto com campanhas de Dia dos Pais sem pais e somente com as mães destes caras que um dia foram somente filhos. Claro que isso não aconteceu.

Essa mesma marca já tinha repercutido muito negativamente na campanha de Dia das Mães do ano de 2019 fazendo diversos posts com depoimentos das “mães” de…respira fundo aí…plantas. Sim, mulheres posaram para fotos, rodeadas por suas plantinhas e diziam não existirem regras na maternidade, que a única coisa que importava era o afeto e, sendo assim, você poderia ser mãe de uma planta, de um gato, de um cachorro.

Antes que vocês roguem a São Francisco de Assis que uma grande praga recaia sobre mim, preciso contar que tenho uma gatinha e que, muitas vezes digo a ela com uma voz meiga coisas do tipo “que filhinha mais linda!”. Eu amo e cuido dela desde 2017, mas mãe mesmo eu sou só de um garoto humano.

Quantas vagas de emprego foram negadas a mulheres que não tinham com quem deixar seu porquinho da índia?

Quantas vezes sua iguana entrou no seu quarto de repente, te pegou no trelelê e você ficou pensando na melhor forma de explicar a ela o que ela viu?

A maternidade não pode ser definida apenas pelo amor e cuidado não, minha gente. A maternidade tem impacto político. Ser mãe impacta a força de trabalho das mulheres.

A maternidade nos impacta emocionalmente e pode permitir que acessemos sentimentos e lembranças que nenhuma begônia ou doguinho vai nos possibilitar acessar.

Sabe aquela desinformação fundada na romantização das relações que disse lá atrás? Pois é, mulheres crescem ouvindo que só serão plenamente felizes depois que tiverem filhos ou que apenas conhecerão o amor verdadeiro com eles.

A gente é bombardeada por relatos e imagens de mães sorridentes e pacientes e não buscamos informações sobre o puerpério, por exemplo.

Não seja uma agente de disseminação de desinformação baseada numa maternidade romanceada. Isso tem consequências reais e, muitas vezes, incontornáveis para as mulheres.

Não fique com vergonha de dizer que você não se sentiu perdidamente apaixonada pela sua cria no momento em que seus olhares se cruzaram pela primeira vez.

Enfrente o medo do julgamento e conte que você reconhece inúmeros outros momentos felizes na sua vida. É preciso dizer que agradar nossos filhos nem sempre estará na nossa lista de prioridades.

É muito gostoso agradar meu menino, mas eu espero ele dormir para comer o chocolate caro que ganhei de uma amiga.

Você precisa dizer a sua amiga que talvez ela não entenda a mãe dela depois que for mãe, talvez ela até se ressinta desta relação. (- mãe, fica tranquila, esse não é o nosso caso )Não repita frases prontas.

Joga fora esse rodo e pára de passar pano para o patriarcado sentindo-se elogiada toda vez que alguém diz que você é uma super-mãe. Como disse a @a_maesolo: “Por trás de toda super-mãe tem um monte de responsabilidades mal divididas”.

Eu sou atravessada todos os dias pela presença de meu filho no mundo. E por esse portal, que nós dois abrimos, eu cedo mais e mais espaço dentro de mim para minha mãe e minhas avós.

Mãe, eu vou comprar presente para você. Filho, é para pedir dinheiro ao seu pai para comprar o meu. A implicância com a data é minha, não de vocês.

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Paula Campos

Advogada com experiência na gestão pública e em organizações da sociedade civil, nas áreas da cultura e infância.
Interessada nos impactos políticos relacionados ao uso de mídias sociais. Mãe do Joaquim.

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