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@thiagoilustrado

dez 27, 2021 | pontos de vista

A desinformação em 2021 (e algumas previsões pra 2022)

@thiagoilustrado
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Se 2020 foi o ano em que a Organização Mundial de Saúde declarou que vivíamos uma infodemia por conta das fake news relacionadas à Covid-19, 2021 foi o ano de aprofundar a busca por soluções. Denúncias confirmaram a gravidade da inação do Facebook em relação a comportamentos abusivos. Projetos de lei na União Europeia e no Reino Unido avançaram. A CPI da Pandemia no Senado Federal demonstrou a existência de uma organização de criação, divulgação e financiamento de fake news, com consequências trágicas. Na Câmara, avançou o debate da lei de fake news. O Tribunal Superior Eleitoral cassou o mandato de um deputado estadual do Paraná que fez acusações infundadas contra a urna eletrônica durante a campanha de 2018. Ao mesmo tempo, Bolsonaro publicou medida provisória que impediria a moderação de conteúdo com desinformação por parte das plataformas. A MP foi devolvida pelo Senado Federal, mas o assunto segue em pauta.

Do ponto de vista das big techs, certamente, o episódio mais marcante foram as denúncias feitas pela ex-funcionária do Facebook Frances Haugen. Ela tornou públicos uma série de documentos e relatos que mostraram como processos internos da empresa privilegiavam o lucro em detrimento de medidas de controle de comportamentos abusivos. As revelações geraram impacto na mídia e levaram Hauguen a ser ouvida no Congresso dos EUA, no Parlamento Europeu e no Reino Unido. Coincidentemente ou não, pouco tempo depois a empresa Facebook mudou de nome e passou a se chamar Meta.

A discussão sobre estratégias de moderação de conteúdo, punição de comportamentos abusivos e restrição à circulação de fake news, no entanto, não ficou restrita ao Facebook. Embaladas pelo impacto das informações falsas no contexto da pandemia, redes como o Youtube, o Instagram e o WhatsApp divulgaram novas regras também relacionadas a mentiras em temas como meio-ambiente e ataques a instituições democráticas. Ao mesmo tempo, ficou mais evidente a relação entre o modelo de negócios das empresas e a presença de desinformação, o que joga luz sobre as dificuldades de se enfrentar o tema apenas com medidas ‘no varejo’.

Uma série de pesquisas apontaram para o fato de que o viés multiplataforma é essencial no combate às fake news. Por um lado, estudos deixaram claras as estratégias de replataformização, ou seja, a ação de repostar conteúdos banidos de uma plataforma em outras para que eles continuem circulando. Neste sentido, a criação e defesa de plataformas próprias de conteúdo tem sido usadas especialmente por líderes de extrema direita. Por outro lado, pesquisas também mostraram como a circulação de links de uma plataforma em outra faz com que eles acabem tendo vida própria, independente da moderação da plataforma principal. O caso mais evidente disso acontece com vídeos do Youtube que circulam no WhatsApp e no Telegram, mas há ainda outros vetores em que isso acontece.

A União Europeia e o Reino Unido haviam apresentado em dezembro de 2020 propostas de textos legislativos sobre moderação de conteúdo pelas plataformas digitais que tocam em questões de desinformação, mas foi em 2021 que aconteceu o debate público sobre eles. A proposta da União Europeia amplia os direitos dos usuários e define regras especiais para as plataformas de grande porte, que inclui a necessidade de avaliar e atuar sobre riscos sistêmicos. Entre eles estão os de manipulação intencional e coordenada do serviço da plataforma, com impacto previsível na saúde, no discurso cívico, nos processos eleitorais, na segurança pública e na proteção de menores.

Já o texto do Reino Unido é mais avançado, e dá poderes para o regulador agir quando a desinformação representar uma ameaça significativa à segurança pública, saúde pública ou segurança nacional. Além disso, as empresas deverão avaliar os riscos dos algoritmos criarem danos para os usuários. Depois de avanços nas discussões, o texto da União Europeia deve ser apreciado em janeiro pelo Parlamento. No Reino Unido o texto estará pronto para voto a partir de março.

No Brasil, a CPI da Pandemia no Senado Federal demonstrou a existência de uma organização de criação, divulgação e financiamento de fake news, com consequências trágicas. A CPI identificou sete temas de notícias falsas, desde a origem do vírus até sobre a eficácia das vacinas. Apesar do claro diagnóstico, pela ausência de legislação específica, o máximo que a CPI pôde fazer foi enquadrar as situações como de ‘incitação ao crime de descumprimento de norma sanitária’. 

Na Câmara dos Deputados, vimos a transformação e os avanços legislativos do chamado PL das fake news. O projeto de lei chegou a uma versão que avança na transparência e na garantia de direitos para os usuários de redes abertas (como Facebook, Instagram e Twitter), embora não avance significativamente no combate às fake news nos aplicativos de mensagens. O texto cria um tipo penal para operações como aquelas descritas pela CPI, possibilitando um tratamento adequado de casos em que a desinformação seja fruto de uma ação coordenada de organizações criminosas. 

Já o Tribunal Superior Eleitoral deixou alguns recados claros nos últimos meses do ano. O primeiro, dado pelo julgamento do deputado estadual Fernando Francischini, do Paraná, e depois confirmado pela nova resolução eleitoral: o Tribunal não será tolerante em relação a discursos infundados que ponham em xeque a integridade do processo eleitoral. O segundo, dado no julgamento da chapa Bolsonaro-Mourão, é que o TSE tende a não aceitar processo eleitoral com o nível de prática de desinformação que houve em 2018. Ao mesmo tempo, o tribunal elencou uma série de evidências que precisam ser juntadas para que se possa configurar um impacto significativo de desinformação. 

A nota mais negativa do ano em relação a desinformação foi a publicação, pelo presidente Bolsonaro, de medida provisória que impediria a moderação de conteúdo com desinformação por parte das plataformas. Embora a MP tenha sido devolvida pelo Congresso Nacional, ela foi reapresentada como projeto de lei e evidenciou a visão do Poder Executivo de impedir que haja, na prática, combate às fake news. 

 

Olhando para 2022, é possível dizer que:

  • União Europeia e Reino Unido devem estabelecer os marcos de referência internacional para regulação da moderação de conteúdos. Os Estados Unidos poderão ter avanços na discussão de sua legislação sobre o tema também.
  • No Brasil, o início do ano assistirá a uma disputa sobre votar ou não o PL de fake news. O texto precisa passar pela Câmara e novamente pelo Senado (onde foi aprovado em 2020), já que o texto foi substancialmente modificado. 
  • A grande incógnita é sobre o peso das fake news nas eleições de 2022. Como mostram as entrevistas do Panorama 2022, que o *desinformante publica a partir de hoje, analistas se dividem entre um otimismo cauteloso e um pessimismo cético. É possível dizer que Telegram e Whatsapp são preocupações grandes, mas a tendência é que a desinformação seja multiplataforma e com peso de influenciadores. O impacto da desinformação no processo eleitoral vai depender muito da capacidade de as próprias plataformas e os tribunais eleitorais agirem de forma rápida. 
  • Ainda no cenário eleitoral, candidatos e suas equipes de campanha terão papel central na garantia da divulgação de informações confiáveis a seus possíveis eleitores. Diversas pesquisas têm mostrado que eles podem ser atores centrais na circulação de fake news.
  • Além desse cenário institucional certamente intenso, os cidadãos e cidadãs terão a possibilidade de colocar em prática aprendizados dos últimos anos sendo bastante vigilantes e cuidadosos ao repassar informações em grupos de conhecidos. Pesquisas sobre a circulação de desinformação já mostraram que os grupos de família, amigos e colegas de trabalho tendem a ser os mais usados para repassar informações políticas. Cada cidadão pode ajudar nesse combate.
  • 2022 marca ainda os 30 anos da Conferência Eco 92, primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Este deve ser um momento importante de debate da questão ambiental e também da desinformação ligada a este setor, já que esta vem produzindo danos significativos.
  • Deve haver ainda um aumento de pressão da sociedade civil brasileira sobre as plataformas, especialmente, a partir da mobilização de setores diretamente afetados, como os que defendem direitos sociais e a democracia.

Por último, 2021 foi também o ano de lançamento do *desinformante. Em 2022 seguiremos juntos buscando oferecer pontos de vista diversos e informação confiável sobre desinformação. Além de desejar um feliz ano novo, queremos agradecer tua presença conosco nesta luta.

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João Brant e Nina Santos

João Brant é coordenador-geral do *desinformante e Nina Santos é coordenadora acadêmica do projeto.

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