A popularização das plataformas de redes sociais fez surgir nos últimos anos uma figura muito própria do ambiente digital: os (as) influenciadores (as). E com o objetivo de determinar os limites das atividades do mercado de influência, a França se tornou, neste início do mês, o primeiro país da União Europeia a aprovar uma lei específica para regular o trabalho desses profissionais.
A iniciativa legislativa, promulgada na última sexta-feira (9) e publicada no sábado (10), proíbe que os influenciadores promovam nas redes sociais publicações com temas envolvendo, por exemplo, tabagismo, técnicas de intervenção estéticas e alternativas que substituam ou sejam preferíveis às prescrições médicas.
Propagandas de jogos de azar também constam na lei, determinando que promoções do tipo só podem ser realizadas em plataformas que limitam o acesso a menores de 18 anos e devem indicar que tais atividades são proibidas para menores de idade. O descumprimento das diretrizes prevê multas de 300 mil euros (cerca de R$ 1,6 milhões) e até 2 anos de prisão.
Issaaf Karhawi, professora titular no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Paulista (UNIP) e autora do livro “De blogueira a influenciadora”, acredita que medidas como a da França reforçam a profissionalização do trabalho exercido pelos influenciadores, estabelecendo diretrizes éticas e responsáveis para suas práticas.
Segundo a pesquisadora, a regulação impede que abusos sejam feitos pelos profissionais e, ao mesmo tempo, protege os usuários, que, em muitos casos, não sabem como funciona o mercado de influência. “Cada vez mais, nós temos que caminhar para um mercado ético, um mercado que reconheça que algumas ações comerciais e publicitárias podem conferir um potencial dano aos consumidores e à comunidade – como eles chamam”, afirma.
Perspectiva parecida é compartilhada por Clara Becker, jornalista e co-fundadora da organização Redes Cordiais, que avalia a regulação francesa como positiva e necessária. “A regulação ajuda, de certa forma, a profissionalizar a categoria de influenciador, impactando enormemente quem não está de acordo com a lei, que está sendo charlatão, vendendo curas milagrosas e produtos ilícitos”, comenta.
Clara lembra ainda que medidas parecidas já foram estabelecidas previamente nas publicidades offline e foram responsáveis por regular e modificar as propagandas infantis, bem como sobre cigarros e bebidas alcoólicas.
A França possui atualmente cerca de 150 mil influencers, de acordo com o Ministério da Economia, Finanças e Soberania Industrial e Digital do país. A lei recém aprovada também determina que profissionais que atuam no mercado nacional, mas que residam fora da União Europeia, devem nomear um representante legal no bloco econômico e contratar um seguro para compensar possíveis vítimas.
Lei francesa vem na esteira das discussões regulatórias digitais mais amplas
De acordo com Issaaf, a iniciativa francesa vem na esteira das discussões contemporâneas mais amplas de regulação das plataformas digitais, pensando em formas de proteção dos dados privados e dos próprios usuários. “A regulação do trabalho dos influenciadores não vem ao acaso, não é uma ação isolada”, comenta.
Até mesmo temas presentes nas discussões sobre regulação de Inteligência Artificial, que caminham tanto na Europa como em outras partes do mundo, também estão incorporadas ao texto francês. De acordo com a lei, os influenciadores devem sinalizar os conteúdos que usem filtros, montagens ou sejam sinteticamente produzidos por meio de IA. “Eles exigem mais transparência. Isso também é bem-vindo, diminuindo a margem para manipulações”, avalia Clara Becker.
No Brasil, Conar já discute publicidade de influenciadores
Outro ponto trazido pela regulação francesa é a obrigatoriedade da transparência da publicidade. A partir de agora, a promoção de bens e serviços pelos influencers deve ser indicada, de forma clara e legível, com a menção das palavras “Publicidade” ou “Colaboração comercial”.
Issaaf lembra que, no Brasil, a questão da publicidade velada, quando não é feita a identificação de que a publicação é conteúdo publicitário, já vem sendo debatida nos últimos anos pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar). Em 2012, por exemplo, o conselho autuou blogueiras de moda que produziram conteúdos publicitários sem identificação adequada. O Conar também publicou, em 2020, um guia de publicidade para influenciadores digitais, orientando sobre a aplicação das regras do órgão para conteúdo comercial em redes sociais.
“A gente tem visto o Conar encabeçando essas discussões com o objetivo de proteger o consumidor, baseando-se na transparência. A diferença é que o Conar não tem o poder de multar ou prender ninguém”, afirma Issaaf.
Clara Becker também cita a importância do Conar nesse debate, bem como a lei eleitoral que vetou ou limitou, em período eleitoral, propagandas e impulsionamentos online para políticos e candidatos.
Ela avalia como positiva a implementação no Brasil de uma legislação parecida com a francesa. “Há muitas semelhanças da lei francesa para a nossa realidade, como a proibição de propagandas de produtos que contenham nicotina, mas também relacionadas à pseudomedicina, como receitas milagrosas para diabetes, câncer e de perda de peso”, analisa.