“Troque seus escravos, compre e venda-os. Extraia lucro de seu trabalho, evite rebeliões e fugas”. Essas são algumas das instruções do jogo ‘Simulador de escravidão’, que estava disponível na loja de aplicativos do Google até a manhã desta quarta-feira (24). O aplicativo já havia sido baixado mais de mil vezes. Após denúncias, o link para download ficou indisponível na Google Play.
Ao iniciar o jogo, os desenvolvedores da MagnusGames avisam que ele foi criado “apenas para fins de entretenimento” e que o estúdio “condena a escravidão em qualquer forma”. O *desinformante entrou em contato com os criadores, mas ainda não obtivemos retorno.
No jogo, é possível escolher o nível de dificuldade, em um deles o jogador deve “evitar a abolição da escravatura”. Além disso, é possível escolher complementos como escravo “obediente e submisso”.
De acordo com as políticas do Google Play não são permitidos aplicativos com discurso de ódio. Ou seja, apps que “promovam a violência ou incitem ódio contra indivíduos ou grupos com base em raça ou origem étnica, religião, deficiência, idade, nacionalidade, condição de veterano, orientação sexual, gênero, identidade de gênero, casta, status de imigrante ou outras características associadas à discriminação sistêmica ou à marginalização”.
Além disso, há uma proibição também a aplicativos “que lucrem com ou sejam insensíveis a um evento sensível com impacto social, cultural ou político significativo, como emergências civis, desastres naturais, emergências de saúde pública, conflitos, mortes ou outros eventos trágicos”.
De acordo com a empresa, aplicativos sobre esses eventos sensíveis são permitidos quando são “relevantes para fins educacionais, documentais, científicos ou artísticos ou têm o objetivo de alertar os usuários ou conscientizar sobre esse acontecimento”, o que não ocorre no caso do “Simulador de Escravidão”.
A Google, através da assessoria de imprensa, enviou o seguinte comunicado: “O aplicativo mencionado foi removido do Google Play. Temos um conjunto robusto de políticas que visam manter os usuários seguros e que devem ser seguidas por todos os desenvolvedores. Não permitimos apps que promovam violência ou incitem ódio contra indivíduos ou grupos com base em raça ou origem étnica, ou que retratem ou promovam violência gratuita ou outras atividades perigosas. Qualquer pessoa que acredite ter encontrado um aplicativo que esteja em desacordo com as nossas regras pode fazer uma denúncia. Quando identificamos uma violação de política, tomamos as ações devidas.”
Além de violar os chamados ‘termos de uso’, usuários denunciaram o desrespeito à legislação brasileira que criminaliza o racismo no país. A Lei Caó criminalizou o racismo no Brasil em 5 de janeiro de 1989, pelo então presidente da República, José Sarney. Em 2010 Lula assinou o Estatuto da Igualdade Racial cujo objetivo é “garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica”.
Com indicação livre, o jogo contava com 4 estrelas no aplicativo do Google e recebeu comentários como o do tipo:
Em seus termos de uso, o Google Play proíbe avaliações com discurso de ódio. No site, a empresa diz que o espaço se destina a todas as pessoas, e as avaliações precisam refletir isso. Assim, a empresa coloca em suas regras que não são permitidos comentários que apoiem a violência ou incitem ódio contra indivíduos ou grupos com base em raça e outras características.
Racismo disfarçado de entretenimento
Após ter sido exposto, o conteúdo causou indignação nas redes sociais. O deputado Orlando Silva caracterizou o jogo como “desumano, nojento, estarrecedor”. “É CRIMINOSO!”, publicou em suas redes informando que entrará com uma representação no Ministério Público por crime de racismo e reafirmando a necessidade de regulação das plataformas digitais.
“Acredito que esse episódio reforça a ideia de as plataformas necessitarem ter aquilo que chamamos dever de cuidado. Além disso, deixa mais uma vez claro como a violência racista pode aparecer disfarçada de entretenimento. “, declarou Manuela D´Avila, coordenadora do GT de combate ao discurso de ódio do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania.
Manifestações racistas costumam passar despercebidas nas redes sociais é o que comprova o relatório divulgado esta semana pelo Aláfia Lab. De acordo com o estudo, a discriminação baseada em cor e raça atravessa as relações e é expresso nas redes sociais digitais em cinco dimensões.
“A mudança precisa ser cultural já na sua gênese. Como uma empresa permite a concepção de um jogo como esse? Como uma plataforma permite que este jogo tenha sido hospedado? Como permitiram que Vini Jr. Sofresse mais de 10 caso de racismo? São muitas perguntas, mas acompanhadas de muita luta. O Movimento Negro organizado segue pautando o enfrentamento ao racismo em todas as suas faces”, comentou Filipe Lopes, da Coalizão Negra por Direitos.
O projeto de lei 2630, que está tramitando no Congresso Nacional, prevê que as plataformas digitais exerçam o dever de cuidado para prevenir e reduzir práticas ilícitas que configurem crimes em algumas situações específicas: contra o Estado Democrático de Direito, atos de terrorismo e preparatórios de terrorismo, crime de instigação a suicídio ou a automutilação, crimes contra crianças e adolescentes, crime de racismo, violência contra a mulher e infração sanitária. Ou seja, crimes de racismo no ambiente online ainda carecem de tipificação para que sejam combatidos.