A Constituição Federal, em seu artigo 53, diz que “Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Essa condição é denominada de “imunidade parlamentar material” e visa garantir o livre exercício de opinião e posicionamento do representante eleito pelo voto popular. A proposta de regulação das plataformas digitais – PL 2630 ou PL das Fake News – incorporou esta condição, gerando uma indignação generalizada entre organizações da sociedade civil, principalmente. Segundo diversas pesquisas e monitoramentos, lideranças políticas são frequentemente flagrados disseminando desinformação e seus posicionamentos nas redes sociais têm impactos severos na viralização deste tipo de conteúdo.
Além da polêmica imunidade parlamentar nas redes, o projeto prevê também que deputados estaduais e federais, senadores e vereadores não poderão restringir a visualização das suas publicações nas redes sociais, assim como os eleitos para o Executivo, ministros de Estado e secretários.
Natália Leal, diretora da Agência Lupa, acredita que esse dispositivo pode incentivar as plataformas a deixarem de aplicar qualquer tipo de moderação a conteúdos publicados por políticos eleitos, sob a alegação de risco jurídico e econômico às empresas.
“É sabido que políticos eleitos usam suas contas e perfis em redes sociais para espalharem conteúdos inverídicos e narrativas distorcidas, impactando negativamente o debate público. Caso haja previsão explícita em lei, há risco de que se criem, ainda, classes de cidadãos digitais, com uns (como os políticos) tendo mais direitos do que outros, e isso impacta também a liberdade de expressão”, conclui a diretora da Lupa.
A pesquisadora e integrante do DiraCom, Helena Martins, afirma que “Infelizmente, muitos políticos estão profundamente envolvidos nas campanhas de desinformação que têm circulado, funcionando em geral como amplificadores dessas campanhas”.
A imunidade parlamentar tem limites
Engana-se quem acredita que a imunidade parlamentar seja um salvo conduto para que o político eleito possa fazer o que quiser sem nenhum tipo de consequência. Constitucionalmente, sua função é proteger o legislador eleito de possíveis perseguições judiciais decorrentes de palavras e posicionamentos referentes ao exercício de sua atividade parlamentar.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, se manifestou a respeito nos autos do Inquérito 4781 (conhecido como Inquérito das Fake News) afirmando que “a jurisprudência da Corte é pacífica no sentido de que a garantia constitucional da imunidade parlamentar material somente incide no caso de as manifestações guardarem conexão com o desempenho da função legislativa ou que sejam proferidas em razão desta; não sendo possível utilizá-la como verdadeiro escudo protetivo para a prática de atividades ilícitas”.
Natália Leal reforça que a imunidade parlamentar e a liberdade de discurso político são garantidas pela Constituição, devem ser respeitadas e não pode haver qualquer tipo de censura atrelada à moderação de conteúdo em redes sociais. “No entanto, isso não se aplica ao espalhamento de informações comprovadamente inverídicas, isso não está protegido por imunidade parlamentar no mundo físico e não deve ser assim entendido no mundo digital”.
Um discurso não é político apenas porque parte de um político e “não se pode usar essa alegação para encobrir irresponsabilidades informativas e a intenção de manipulação narrativa do debate público. A imunidade parlamentar não pode ser usada como autorização para o espalhamento de mentiras no ambiente digital”, conclui a diretora da Lupa.
Helena Martins, por sua vez, afirma que “apesar de não considerar adequada essa inclusão no projeto, quero dizer também que entendo que essa imunidade não inviabiliza possíveis processos judiciais contra os parlamentares”.
Em última instância, afirma a pesquisadora, “eles ganham uma capa de proteção a mais, mas continua a possibilidade de a Justiça acionar, como, aliás, ela pode acionar com relação a cometimento de crimes, mesmo quando os parlamentares usam a tribuna”. E conclui afirmando que: “não acho adequado, mas também não considero que seja impeditivo de uma responsabilização dos parlamentares pelos seus atos”.