A desinformação de gênero afeta diretamente a democracia e os direitos das mulheres, afirmou Lucina Di Meco, especialista em igualdade de gênero e co-fundadora do movimento #ShePersisted. No mais recente relatório da instituição, “Monetizando a misoginia”, a especialista destrinchou o enfraquecimento das instituições democráticas e da participação feminina na política no Brasil, Hungria, Índia, Itália e Tunísia.
A pesquisa buscou aprofundar na temática e mostrar que a desinformação de gênero não é apenas o custo de fazer política ou uma “questão feminina” que não tem implicações para a democracia. Meco destaca que as mulheres no meio político são mais afetadas pelo ódio e pela desinformação online que os homens. Além disso, os impactos desses ataques são muito maiores para as mulheres.
Para exemplificar os casos, o relatório traz a história de diversas mulheres, entre elas as brasileiras Manuela d’Ávila e Duda Salabert. A campanha de ódio online que d’Ávila sofreu principalmente nas eleições de 2018 é relembrada e apontada por ela como um dos vários motivos que a fez não se candidatar a nenhum cargo político em 2022.
“As falsas narrativas sobre as mulheres consolidam ainda mais os estereótipos sexistas e as atitudes misóginas, dissuadindo as gerações mais jovens de concorrer a cargos públicos ou trabalhar na esfera pública à medida que as instituições democráticas se desgastam, facilitadas pela intenção de líderes políticos populistas, muitas vezes homens fortes, que atacam os direitos das mulheres e os valores liberais como uma forma estratégica de obter e consolidar o poder”, resume o relatório.
Uma outra descoberta da pesquisa evidencia como a violência baseada em gênero facilitada pela tecnologia é usada cada vez mais por líderes políticos autocráticos e iliberais, para que eles possam envolver seu eleitorado, silenciar mulheres líderes da oposição e minar a democracia. As primeiras investigações mostram como isso ocorre globalmente e por atores estrangeiros.
No caso brasileiro, a pesquisadora registrou que atores alinhados a Donald Trump nos EUA tentaram minar a confiança nas eleições de 2022. “Eles ecoaram chamadas de fraude eleitoral e encorajaram o questionamento e a retaliação contra a derrota de Bolsonaro para abalar a fé no processo eleitoral e consolidar ainda mais os sentimentos de extrema-direita”, retratou o relatório.
A interseccionalidade também está presente como um fator de impacto nos ataques online. Uma pesquisa do Centro de Democracia e Tecnologia constatou que nos Estados Unidos as candidaturas de mulheres não-brancas eram duas vezes mais propensas do que outros candidatos a serem alvo de desinformação. Além da raça, a etnia, origem, orientação sexual também são fatores que agravam o cenário.
No Brasil, a pesquisa entrevistou Duda Salabert, uma das primeiras pessoas trans eleitas para o Congresso Nacional. A deputada federal tem sido alvo de ataques online e até ameaças de morte por sua identidade transgênero. De acordo com os relatos, ela é enquadrada como “um perigo para a sociedade” e que “deveria ser isolada em um campo de concentração”.
O estudo revela que os ataques contra as mulheres na política geralmente seguem padrões semelhantes, como questionar seu patriotismo e sua moralidade, acusando os alvos de tramarem para destruir a nação e os seus valores tradicionais.
A responsabilidade das plataformas digitais nesse cenário também foi um ponto abordado no relatório. “As plataformas digitais, cujas preferências algorítmicas e modelos de negócios ajudam na proliferação do conteúdo mais ultrajante, são as principais culpadas pelo status quo”, sintetiza.
A autora elenca como as redes falharam em proteger as mulheres e a democracia, ressaltando que o ódio é o modelo de negócio delas. “As narrativas nocivas são impulsionadas e amplificadas por meio de algoritmos que tornam esse conteúdo viral, por meio de sistemas de recomendação construídos para maximizar a atenção e recursos que facilitam sua distribuição rápida e ampla. No momento atual, os ataques para minar as mulheres podem ser facilmente ampliados, atendendo aos interesses comerciais das empresas em detrimento da democracia e dos direitos humanos”, indicou o relatório.
Para auxiliar na resolução do problema, a autora elenca a necessidade de transparência nas plataformas digitais, de mudanças algorítmicas e de fortalecimento de meios capazes de regular as empresas. Além disso, destaca a necessidade de leis que tornem as punições para os ataques online mais severas.