Os atos golpistas do dia 8 de janeiro podem ter pegado algumas pessoas de surpresa, mas nem todas. Não precisava se aprofundar muito nos processos de radicalização da extrema direita para entender o que acontecia. Bastava passar por algum quartel do Exército ou passear em grupos abertos do Telegram para saber que ‘algo de errado não estava certo’.
No entanto, compreender essas estratégias de radicalização – e como a desinformação auxiliou nesse processo – poderia requisitar um certo nível de especialização. Para os pesquisadores da área, as invasões às sedes dos poderes eram previsíveis. Já para quem não estava ligado na escalada deste movimento, a nova série da GloboPlay, Extremistas.br, mostra o porquê de tanta preocupação e alertas.
Em oito episódios, a série aponta como foi se construindo a radicalização política no Brasil e os grandes desafios que precisamos enfrentar. O primeiro capítulo dá o tom: quanto mais indignação, melhor. Com um mergulho na desinformação e nas estratégias de captação, a produção entrevista um personagem creditado como “operador de marketing político”.
Sem mostrar o rosto, o rapaz que diz trabalhar para a extrema direita conversa abertamente sobre como constrói campanhas desinformativas e como as espalha nas redes. “A nossa função é criar o mal estar”, confessa o jovem que não sente culpa pelas consequências de seu trabalho.
Esse mal estar gera indignação, como aponta a professora da UFRJ Marie Santini, também entrevistada na série, e a indignação é o que leva as pessoas para as ruas, contagiando outros tantos. Um combo perfeito para gerar o engajamento que as redes sociais precisam para obter lucro.
Em poucos minutos, a série já traz as estratégias afetivas para a disseminação de informações falsas e o funcionamento da chamada economia da atenção, levando o espectador a um entendimento mais geral do fenômeno.
Extremistas.br também aborda um ponto essencial para compreender a desinformação: o lucro que ela gera. Por meio da ação do grupo Sleeping Giants, por exemplo, a série retrata como o negócio lucrativo das informações falsas se mantém e revela bastidores de uma infiltrada que vazava dados para as campanhas de desmonetização.
O retrato da guerra moral também é um dos destaques. Com depoimentos de vítimas e ex-envolvidos na produção dessa narrativa, fica claro como pautas de gênero e religião são sequestradas para fins políticos, causando um verdadeiro pânico moral.
O culto às armas, inspirado no modelo norte-americano, o apelo a valores morais da família, nacionalismo e Deus. A defesa intransigente da liberdade individual e da legítima defesa são alguns dos elementos que a extrema direita ofereceu aos seus seguidores e que encontrou no Brasil um terreno fértil.
Bem como a criação de inimigos que justificassem a luta, como o comunismo, a Venezuela, Cuba, o Judiciário, o jornalismo tradicional, a classe artística, o “pessoal dos direitos humanos” e a ciência.
Num terreno em que a mentira pode ser facilmente disseminada através das redes sociais, este conjunto de apelos caiu como uma luva para pessoas que sentem um desconforto com a realidade e, de certa forma, não se sentiam representados pela linguagem da política vigente.
Essa revolta desemboca em episódios de violência política, como o assassinato de Marcelo Arruda, um dos momentos impactantes da série. O processo de radicalização termina por transformar adversários políticos em inimigos mortais, onde alguém que pensa diferente ameaça diretamente toda a sua família, valores e visão de mundo.
A série tem o mérito de ampliar este debate para além dos especialistas e acadêmicos, trazendo com didatismo um assunto que é de todos nós. O combate ao extremismo e à desinformação passa, necessariamente, pelo entendimento do problema.