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acervo pessoal

dez 26, 2022 | Destaques, Notícias, Panorama2023

“A desinformação, no Brasil, é recompensadora, ela dá mandatos”

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#Panorama2023

Esta entrevista faz parte da série #Panorama2023, entrevistas sobre o contexto da desinformação pós eleições, seus impactos na sociedade e futuros possíveis para combater o problema.

“A desinformação no Brasil é recompensadora, ela dá mandatos”, denuncia a coordenadora da Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD), Ana Regina Rêgo, aquele que deverá ser um dos principais desafios da sociedade brasileira em 2023: monitorar e punir a desinformação no Congresso Nacional, onde foram eleitos pelo menos 11 deputados federais que já foram checados e desmentidos pela agência de checagem Lupa. Para o Senado, também foram escolhidos políticos que recorreram à desinformação em mais de uma ocasião.  

Para a professora e pesquisadora, a população não consegue enxergar esta realidade porque se vê em uma guerra de narrativas, onde as referências de confiabilidade desapareceram. 

A regulação da internet, educação midiática, fortalecimento da ciência e outros temas urgentes para 2023 você confere nesta entrevista com Ana Regina Rêgo. Esta entrevista faz parte da série #Panorama2023  

Ana d´Angelo:  Qual é a importância de a gente articular em rede o combate à desinformação? Me fala um pouco sobre o trabalho da RNCD hoje. 

ANA REGINA RÊGO: A Rede Nacional de Combate à Desinformação, que nasceu em 2020, nasceu exatamente para tentar confrontar minimamente aquilo que a gente chama de mercado da constituição intencional da ignorância ou mercado da desinformação. Como tudo funciona dentro de um processo reticular nas plataformas digitais, eu não acredito que sozinhos a gente consiga cercar o fenômeno da desinformação. A rede é essa tentativa de dar as mãos a inúmeros parceiros, projetos que estão no Brasil de Norte a Sul – temos parceiros de São Borja, no Sul, até Cruzeiro do Sul, no Acre – passando por todas as capitais. É uma tentativa de dar as mãos e fazer um trabalho sinérgico. Nesse momento eu adoraria que tivessem muitas redes como a Rede para a gente ir juntos e enfrentar tudo aquilo que o fenômeno representa. 

Ana d´Angelo – Dá para a gente dizer o que aprendeu sobre o fenômeno da desinformação nessas eleições, como que ela se apresentou e o que a gente pode tirar disso? 

ANA REGINA RÊGO –  Em 2018, e antes um pouco, houve uma apropriação muito grande pela extrema-direita do modelo de negócios das plataformas digitais. E ela adquiriu um know how e até hoje está à frente neste processo. E apesar de as  plataformas dizerem que a desinformação é uma consequência não intencional, este é um tipo de conteúdo que viraliza muito mais, é mais lucrativo para elas. 

Entre 2018 e 2022 a gente vê tanto uma potencialização desse modelo, como a transformação das plataformas, elas foram se apropriando mais daquilo que os usuários fazem na rede e a partir daí vão especificando o seu modo de trabalhar. Muitas vezes a gente nem percebe mas o Instagram está todo o tempo dizendo:  “olha, faça isso, faça aquilo”. Há uma especialização dessa relação usuário/plataforma dentro de cada uma, há uma apropriação maior pela extrema-direita, porque elas já dominam esse processo, mas, por outro lado, a sociedade civil acordou. 

Nesse acordar da sociedade civil, a gente tem os movimentos como a Rede, como o Desinformante, como a Coalizão Direitos na Rede etc. Para além da apropriação da extrema-direita em relação às redes sociais, nós vimos surgir movimentos que terminaram culminando com essa dissonância cognitiva coletiva, após o segundo turno, que é um movimento não só da desinformação, mas vem de uma coisa mais profunda da sociedade que faz com que as pessoas passem a viver em uma realidade paralela. A gente precisa se debruçar para estudar. Para além da intencionalidade dos regimes de verdade, da evidência e da experiência dos valores da crença, você tem uma produção muito grande de narrativas com investimentos, com valores altos na extrema-direita. 

Uma produção incessante e uma capacidade muito grande de distorção de qualquer fato da realidade, de descontextualização de qualquer localização da realidade. É claro que tem a exploração dos afetos, é claro que tem um acolhimento, por exemplo, pelo lado dos evangélicos ou dos católicos etc., tem um acolhimento no sentido da pessoa se sentir acolhida e a partir daí confiar naquilo. 

Nós precisamos compreender esses meandros dessa vida, dessa bios virtual, para que possamos, a partir daí, negociar esse tipo de desinformação que foi colocada durante as eleições de 2022, porque é muita coisa e é muito cansativo. 

Ana d´Angelo – Sob um governo democrático, você acha que a gente muda a nossa postura de fato em relação à desinformação, esses movimentos permanecem? Como você acha que vai ser o tensionamento entre essas forças políticas e o reflexo disso na sociedade? Qual o cenário você vislumbra para 2023?

ANA REGINA RÊGO – Como observadora participante desse processo e enquanto investigadora mesmo, eu acredito que a gente não vai poder relaxar, porque não só vai permanecer, como vai potencializar porque nós temos novas redes chegando, novas redes sendo criadas, novos caminhos para que a desinformação se potencialize como fenômeno.

 Nós temos, dentro do Congresso Nacional, o desafio não só da regulação, mas o desafio em relação aos parlamentares que foram eleitos com desinformação. Então se há uma regulamentação mínima em relação às plataformas digitais e à mídia em geral, a gente não teria um caso como o da Jovem Pan. (a emissora foi desmonetizada pelo Youtube por propagar desinformação eleitoral). 

A gente vai ter esses desafios de negociar no Congresso porque nós temos os que são favoráveis à desinformação e os que se elegeram com a desinformação. A desinformação no Brasil é recompensadora, ela dá mandatos, inclusive do Executivo, né? Então não há uma punição, há uma recompensa. E parte da sociedade não consegue visualizar isso porque está inserida neste cenário acreditando que tudo é uma disputa de narrativas e as referências de informação confiável estão relativizadas. 

Tem também o desafio que é colocar a educação midiática dentro da Base Nacional Curricular, popularizar a ciência porque estamos vendo o drama do índice vacinal.

Os desafios são muito grandes, mesmo dentro de um governo democrático, que vai ter que reconstruir muitas dessas bases do Estado. 

Até para que o governo consiga se manter dentro de uma base negociável com a opinião pública é preciso levar o mínimo de informação à sociedade. Antes a gente considerava os desertos de notícias , uma métrica mais geográfica. O Brasil é imenso e a informação não chegava, o jornalismo não chegava. Hoje nós temos desertos de notícias dentro das redes sociais porque nós temos 54% dos brasileiros que evitam a informação, segundo o Digital News Report 2022. Isso faz com que a gente não consiga chegar lá, não consiga chegar em grupos de aplicativos de mensagem que estão vinculados a religiões ou a famílias. Então a gente tem que renegociar essas bases e conseguir chegar de alguma forma aos brasileiros. Eu acho que a gente conseguiu furar alguns bloqueios durante o período pré-eleitoral e eleitoral, mas eu acho que minimamente, senão não teríamos nas ruas as pessoas ajoelhadas, outras com celular na cabeça, e por aí vai.  

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