Hoje não podemos deixar de falar sobre o aterrador desaparecimento do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira no Vale do Javari, na Amazônia brasileira. Apesar de o presidente da República se referir ao caso lembrando que “dezenas de milhares de pessoas desaparecem por ano no Brasil”, esses não são “só” dois desaparecimentos entre milhares, como se a sentença já não fosse, no mínimo, insensível. É o retrato fiel da degradada realidade em que vivemos. Um país em que os defensores de direitos humanos têm um alvo nas costas. Lembremos de Chico Mendes, Dorothy Mae Stang e Marielle Franco, para citar alguns dos mais emblemáticos.
Em que momento naturalizamos a violência contra quem quer mudar uma realidade injusta, lutar pelo meio ambiente, pelos indígenas e apontar os crimes dos poderosos? Em que momento deixamos de ouvir os apelos dos que são ameaçados nestes ofícios?
Durante a semana de buscas, Jair Bolsonaro disse que Bruno e Dom fizeram uma “aventura não recomendável”. Como lembra Eliane Brum, o jornalismo não é e nunca foi uma aventura. O bom jornalismo muda a realidade social, denuncia ilegalidades, investiga a corrupção. O bom jornalismo revela o desmonte de instituições, o descaso com o meio ambiente e a indiferença em relação aos povos originários.
O vice-presidente Hamilton Mourão também insinuou culpa das vítimas, dizendo que “entraram em uma área que é perigosa, sem pedir uma escolta, sem avisar efetivamente as autoridades competentes”. Em entrevista ao Fantástico, Beatriz Matos, esposa de Bruno, rebateu o discurso dos chefes do Executivo nacional: “E se o local de trabalho dele, meu, e de tantos outros virou um local perigoso, que a gente precisa usar a escolta armada para poder trabalhar, tem algo muito errado aí. E o erro não está conosco. É de quem deixou que isso acontecesse”.
A porta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos (ACNUDH), Ravina Shamdasani, declarou que a resposta das autoridades brasileiras ao desaparecimento “foi extremamente lenta” e reforçou preocupação com os ataques constantes e ameaças a defensores de direitos humanos, ambientalistas e jornalistas no Brasil, “lembrando ser de responsabilidade das autoridades protegê-los”.
De 2012 a 2020, o Brasil matou 327 defensores e ativistas ambientais, o maior número entre todos os países. Os dados do Global Witness mostram que, apenas em 2020 foram 20 assassinatos e três quartos dessas mortes aconteceram em território da floresta Amazônica. Mas não é só a Amazônia que se tornou um lugar perigoso para trabalhar e não é só a vida de ativistas que está em perigo.
Dados da Federação Nacional dos Jornalistas mostram que, no ano passado, o número de agressões a jornalistas e a veículos de comunicação bateu um novo recorde desde o começo da série histórica, iniciada na década de 1990. Foram 430 casos de agressões, dois a mais que em 2020. A presidenta da Fenaj, Maria José Braga, aponta que “a continuidade das violações à liberdade de imprensa no Brasil está claramente associada à ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência da República”, visto que os números crescem a partir de 2019.
Uma semana após o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa, vivemos um dia de luto, medo, desesperança. Toda nossa solidariedade às famílias de Dom Phillips e Bruno Pereira. Quando tudo ao redor parece impor o silêncio, é a hora de mostrar indignação e exigir respostas.