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maio 24, 2022 | Destaques, Notícias

Campanhas desinformativas nas eleições filipinas acendem alerta para democracias

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“Decepcionadas, chocadas, incrédulas, irritadas, desanimadas”, essas foram as reações descritas por pesquisadores filipinos para descrever a situação da população do país que acaba de levar ao poder Ferdinand “Bongbong” Marcos Junior, filho do ex-ditador e cleptocrata filipino, Ferdinand Marcos, que governou entre 1965 e 1986, um dos períodos mais sangrentos da história do país, até se exilar no Havaí com o apoio do governo norte- americano.

 Joyce Zaide, líder em Comunicação de Mídias Digitais pela Universidade de Salzburgo e Universidade Livre de Bruxelas (VUB), descreve a situação como uma “sensação próxima à de perder um ente querido, seja por causa da morte ou de um desgosto no coração”. Mas neste caso não era alguém e sim a esperança de retorno da democracia que custou tão cara ao país.

 A implicação da vitória de Marcos é “a morte da verdade, a brancura dos anos da lei marcial, o triunfo da desinformação”, explica Zaide. Visões similares são compartilhadas por Jose Antonio Custodio, historiador bolsista não residente do Instituto de Estudos Estratégicos e Internacionais Stratbase ADR.

 

Como a democracia foi “sequestrada” no país?

O processo não aconteceu da noite para o dia. Os especialistas concordam que a desinformação tem papel essencial nesse processo e um longo histórico cultural no país, com livros didáticos encobrindo casos envolvendo ditadores, como o governo do pai de Bongbong. Para Custodio, o processo que levou Bongbong ao poder tem um longo histórico de morte da verdade e complacência com as irresponsabilidades de governos anteriores.

 “Foram anos de trabalho para isso, mesmo antes do Facebook se tornar popular. Já existiam conteúdos que encobriram o que foram os anos da lei marcial”, explica Zaide.  O processo foi similar ao que levou o atual presidente, Rodrigo Duterte, ao poder. Com a chegada das redes sociais, esse processo foi exacerbado no país, conforme estudo de Zaide sobre a influência dos apoiadores de Duterte no Facebook.

 Cheryll Ruth Soriano, professor da Universidade de La Salle-Manila, analisou o papel dos algoritmos e apontou a cumplicidade das plataformas, em especial do YouTube, nas redes de influência de distorção do legado histórico de Marcos. Em estudo, Soriano e sua colega Fatima Gaw identificaram canais e vídeos do YouTube que tentam negar e distorcer o período trágico do país. Com alcance de milhões de visualizações e inscritos, esses conteúdos tentam reconstruir o legado de Marcos, apagando as atrocidades da lei marcial, as crises econômicas durante seu regime e o histórico de riqueza da sua família baseado na corrupção.

 “Mas, se culpamos a desinformação nas mídias sociais, estamos dizendo que as pessoas perderam  suas habilidades de pensamento crítico?”, questiona Zaide. “Com uma superabundância de informações e fontes, torna-se um quebra-cabeça cada vez mais importante entender como e por que confiamos e selecionamos fontes de informação e como isso molda nossas escolhas e ações. Esse processo histórico de trazer informações contestáveis em materiais didáticos teve papel fundamental para esse processo”, defende Custodio.

 

A chegada de Ferdinand “Bongbong” Marcos Junior ao poder

 Bongbong chega ao poder com a vice-presidência nas mãos de Sara Duterte, filha do atual presidente Rodrigo Duterte. Sara manteve a liderança na corrida vice-presidencial, que no país é separada da corrida presidencial.  A aliança dos dois líderes autoritários combinou o poder de voto dos polos políticos de suas famílias no norte e no sul das Filipinas, o que gerou preocupações dos ativistas de direitos humanos.

 Entre as afirmações falsas disseminadas durante as eleições estavam um falso legado deixado pelo governo de Marcos e a narrativa de que ele foi eleito o melhor presidente no mundo durante seu governo. Além disso, as campanhas de trolls pagas por políticos e a desinformação em formato audiovisual (vídeos do YouTube e TikTok) foram fundamentais para a disseminação de notícias falsas ou enganosas pró-Bongbong. Em um país que sofre com uma crise econômica e política, não é surpresa que esse esquema tenha servido de trabalho para muitas pessoas. 

 As polêmicas envolvendo a família Bongbong não ficam só no processo eleitoral. Durante a celebração de sua vitória, a mãe de Marcos Junior exibiu no Instagram uma pintura roubada de Picasso.  A família informou ser uma réplica, ainda que pesquisadores tenham ficado céticos. 

 O  quadro preocupante se completa com o baixo nível de acesso a informações confiáveis, criado por uma política do governo de Rodrigo Duterte que persegue empresas de mídia e seus fundadores contrários ao governo. É o caso de Maria Ressa, ganhadora do Nobel da Paz  e cofundadora do Rappler, veículo independente que revelou corrupção por parte do governo e funcionários eleitos, o uso de bots e trolls favorecendo a administração de Rodrigo Duterte e documentou a guerra das drogas nas Filipinas. 

 

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