Dos deuses. Muitíssimo provavelmente essa é a primeira associação que você faz ao ouvir a palavra néctar. Está no dicionário, o grandão, em papel, quase duas mil páginas, aquele confiável: néctar, na Grécia antiga, bebida dos deuses do Olimpo que, segundo a lenda, eternizava a vida.
Corta para a prateleira do supermercado. Você vê uma lata ou uma caixa com a foto de uma fruta com gotas de orvalho ou de chuva, e está lá “néctar de manga”. Muitas vezes junto com informações do tipo “rico em vitaminas e sais minerais”. Você associa a algo gostoso e saudável. Balela. Néctar de fruta é uma mistura de conservantes, corantes, açúcares e que precisa conter somente entre 20% e 30% de polpa de frutas.
Na TV, a publicidade destes produtos vem sempre associada a contextos de bem-estar, saúde, alegria e sucesso. Na década de 90, por exemplo, boa parte das ilusões românticas das adolescentes tinha origem nos comerciais de margarina sempre estrelados por um casal felicíssimo, numa casa confortável, com filhos corados e risonhos. Sim, era fácil consumir plástico derretido quando o cenário era esse.
A indústria alimentícia é danadinha e eu até usaria outro adjetivo mas não perguntei antes aos meus colegas se poderia usar palavras de baixo calão. Pois bem, quando você está prestes a escolher um produto ultraprocessado você está, basicamente, negociando com o melhor aluno da turma de marketing de produtos de Harvard. Suas chances, meu caro, são reduzidas, mas elas existem desde que você esteja informado.
Você não precisa ter feito um curso de nutrição (embora seja muito interessante consultar um profissional desta área) para conseguir ler e entender um rótulo. Vale pesquisar, por exemplo, quais os outros nomes do açúcar (xarope de milho e dextrose são dois deles). Você pode também desconfiar de produtos com uma lista imensa de ingredientes.
Michael Pollan, escritor e jornalista estadunidense, em seu livro Regras da Comida, listou algumas estratégias simples e divertidas para auxiliar as pessoas em suas escolhas.
Acho que a minha preferida é “evite produtos alimentares que contenham ingredientes que nenhum ser humano comum teria na despensa”. Imagine-se num encontrinho na casa de amigos, você decide fazer uma farofa e grita: “fulana, em qual destes potes você guarda a maltodextrina?” ou “poxa, sempre que venho nesta casa nunca encontro o corante caramelo III!”.
A indústria alimentícia conta com o fato de você estar desinformado e canta em seus ouvidinhos apelos sedutores como: sem açúcar, com acréscimo de vitaminas, praticidade no preparo, produto fitness. Um estilo de vida com muitas responsabilidades e demandas (alô, mulheres, eu ouvi patriarcado?) e uma certa obsessão por enxergar todo e qualquer alimento como fonte de nutrientes é um prato cheio para as grandes corporações.
A gente não precisa acrescentar semente de linhaça naquela feijoada maravilhosa da tia e nem comer o arroz doce na sobremesa esperando que ele seja fonte de colágeno. Cair nas armadilhas destes produtos ultraprocessados, além de ser extremamente prejudicial à saúde, é culturalmente empobrecedor.
Eu quero encerrar com um dos assuntos que mais me tocam quando me deparo com mecanismos de desinformação de gigantes alimentícias: o aleitamento materno.
Eu poderia até começar um novo texto falando apenas disso, colhendo e trazendo dados, contando de experiências diversas de amigas, listando as frases que as lactantes mais escutam e oferecendo respostas bem humoradas para quem, como eu, precisa rir do que enfrenta para lidar com todo o resto.
Mas, como no meu último Ponto de Vista, quero terminar te contando uma história: meu filho já devia ter quase dois anos de idade e fomos a um aniversário de uma tia no interior. Num dado momento, ali no meio do furdunço da comemoração, comecei a amamentar a criança. Uma prima distante sentou-se ao meu lado e me perguntou: “por que você ainda mexe com esse negócio de peito? Você tem dinheiro para comprar leite em pó”.
As grandes corporações também se valem da ascensão social que seus produtos podem representar. Os ultraprocessados podem ser vistos como bens de consumo, como símbolos de status familiar, como redenção de cuidadores que não tiveram acesso a industrializados e agora podem proporcioná-los aos seus filhos.
A propósito, eu também consumo ultraprocessados, mas sigo fiel e fervorosa defensora das comidinhas de mãe e de vó.