Um artigo publicado na revista Nature identificou como estudos sugerem três caminhos (susceptibilidade, disseminação e intervenções) para imunizar o público contra a infodemia e a desinformação. Segundo Sander van der Linden, professor da Universidade de Cambridge, que conduziu a revisão de literatura, análises dos dados da rede social estimam que, sem intervenção, o conteúdo antivacinação irá dominar o discurso na próxima década. Por isso ele defende que é útil pensar na desinformação como uma doença viral que pode infectar o seu hospedeiro, espalhando-se rapidamente de um indivíduo para outro dentro de uma determinada rede, sem necessidade de contato físico, assim como está ocorrendo com a Covid-19.
O conceito de infodemia ganhou popularidade após o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, declarar que não estamos lutando apenas contra uma epidemia, mas também contra um grande fluxo de informações desordenadas, algumas falsas, e em excesso que se espalham pela internet sobre um assunto específico, no caso Covid-19. Em seu estudo, van der Linden mostra em três pontos como esse enfrentamento da infodemia pode ser inspirado no combate ao vírus.
Suscetibilidade
A suscetibilidade das pessoas à desinformação ocorre através do efeito de “verdade ilusória”, ou seja, as alegações que são repetidas várias vezes tendem a ser julgadas como verdadeiras, ao contrário daquelas que não são repetidas ou são novas. Em outras palavras, o cérebro usa a fluência como um sinal de verdade. Isso é similar a um vírus, quando algumas pessoas infectadas tendem a sofrer mais que outras.
Estudos mostram que, embora a verdade ilusória possa afetar a todos, existem evidências que algumas pessoas são mais suscetíveis à desinformação. Vários fatores podem influenciar essa suscetibilidade, como o declínio cognitivo e a menor alfabetização digital, embora existam exceções. No contexto da Covid-19, estudos apontaram que pessoas idosas estão menos propensas a endossar desinformação sobre vacinas. Em contrapartida, elas são mais suscetíveis a desinformação em geral. O mesmo aplica-se para pessoas com uma orientação política de extrema direita que têm demonstrado serem mais suscetíveis à desinformação.
Outro fator que afeta é a falta de atenção. Pessoas têm preferência por divulgar conteúdos precisos, mas o contexto das redes sociais simplesmente distrai as pessoas de tomarem decisões na hora de compartilhar conteúdos. O raciocínio (politicamente) motivado não é o principal fator de suscetibilidade à desinformação, segundo van der Linden. O pesquisador argumenta que os “compromissos” que as pessoas têm com seus grupos de afinidade é o que as leva a consumirem desinformação e, assim, reforçam suas identidades políticas, religiosas ou sociais.
Disseminação
Para entender a disseminação, van der Linden também recorre à analogia viral. Segundo ele, os pesquisadores adotaram modelos da epidemiologia, como o modelo SIR (suscetibilidade-infectado-recuperado), para medir e quantificar a disseminação da desinformação nas redes sociais.
Nesse contexto da pandemia de Covid-19, essa analogia se faz através de indivíduos que foram infectados e transmitem o vírus a um número maior de pessoas. A mesma situação se passa com as notícias falsas, na qual outras pessoas são expostas após o contato de alguém que já foi “infectado”. Apesar das fake news representarem a menor parte do conteúdo online, pesquisas no Twitter apontaram que elas têm cerca de 70% mais probabilidade de serem compartilhadas do que as notícias confiáveis. Também identificaram que elas levam seis vezes mais tempo do que notícias verdadeiras para chegar a 1.500 pessoas.
Porém, a exposição não é igual à persuasão, ou na analogia, à infecção. Pessoas podem optar por compartilhar informações errôneas por outras razões além da exatidão, como o desejo que isso seja verdade (mesmo sabendo que não é). Para van der Linden, esse tópico ainda não está claro e deve ser melhor estudado para entender se a exposição à desinformação realmente indica “infecção”.
Imunização
O estudo indicou que existem duas principais formas de “imunizar” o público contra a desinformação: profilático (preventivo), também conhecido como “prebunking” (o que chamamos aqui de filtro preventivo), e terapêutico (pós-exposição) ou “debunking” (checagem).
Os “tratamentos terapêuticos” tradicionais para a infecção por desinformação são a verificação de fatos e a desmistificação que acontecem após a exposição à desinformação ou informação errônea. Apesar de estudos apontarem suas efetividades, principalmente para conteúdos de saúde, van der Linden lembra que elas dependem de três fatores: a qualidade da correção, o passar do tempo, e as crenças e ideologias anteriores.
Por isso, é importante adotar as melhores práticas na produção de checagens, como elaborar mensagens que sejam conduzidas pela verdade, apelar ao consenso científico e a fontes especializadas, assegurar que a correção seja facilmente acessível, explicar claramente qual informação está errada e o fornecimento de uma explicação coerente.
Estudos apontaram o risco de um efeito reverso da correção no qual as pessoas acabam acreditando mais no mito ou na informação errada. Nesse sentido, os filtros preventivos podem funcionar melhor. Essas abordagens tentam proteger um indivíduo antes que seja exposto ou atinja um status de “infeccioso”. A teoria da inoculação psicológica é um dos métodos usados para evitar essa persuasão da desinformação. Ela funciona como uma vacina ao expor preventivamente as pessoas a doses enfraquecidas de desinformação (juntamente com fortes refutações). Espera-se assim que as pessoas possam cultivar uma resistência cognitiva contra futuras desinformações. A alfabetização midiática é uma das alternativas.
O que não está claro ainda é se essa exposição repetida ou uma quantidade significativa de tempo pode convencer as pessoas sobre as mensagens errôneas ou se elas acabam integrando essas visões e atitudes no seus comportamentos.
O pesquisador indica que talvez a solução para a infecção da desinformação seja através de uma estrutura mais integrada que seja sensível ao contexto. Dessa forma, será possível explicar a suscetibilidade variável à desinformação com base na forma como as pessoas priorizam a informação e os motivos sociais que as ajudam a formar esses julgamentos sobre a veracidade das notícias.