As pesquisas e debates sobre desinformação no Brasil têm avançado diariamente e a limitante perspectiva da “tia do zap” como principal agente de divulgação de notícias falsas tem sido deixada de lado. No lugar, evidenciou-se o fato de que a desinformação é articulada por grupos com objetivos claros de persuasão da opinião pública. A orquestração parte, sobretudo, de grupos hiperpartidários e circula dentro de “bolhas desinformativas”.
Durante a pandemia da Covid-19, por exemplo, tanto o The New York Times quanto a A Pública denunciaram esquemas de desinformação contratada em que influenciadores eram procurados para divulgar informações contrárias à vacinação ou favoráveis ao já desaconselhado tratamento precoce. A entrada dos influenciadores nesses esquemas revelou que há um complexo ecossistema de desinformação em que atuam não apenas perfis falsos ou bots, mas sujeitos com significativa visibilidade.
A grande questão é: por quê? Um pressuposto das pesquisas em comunicação digital é o fato de que influenciadores não influenciam apenas o consumo material. A associação mais corriqueira da atividade desses sujeitos a #publi ou ao mercado publicitário acabou esvaziando a própria definição de influência. No entanto, influenciadores digitais não recebem apenas um título de influente. O domínio desse espaço é resultado de complexos processos de legitimação que outorgam crédito e conferem direito à palavra. Como em toda troca social, é o reconhecimento do outro que atribui credibilidade e legitimidade.
Influenciadores digitais também atuam como formadores de opinião e somam a essa função a conquista de visibilidade midiática nas redes sociais. É por essa razão que podemos considerá-los não apenas imprescindíveis em estratégias comerciais, incitadoras de consumo, mas na circulação de pautas, na ampliação de discursos e mesmo na supressão de discussões. Por exemplo, um influenciador digital terraplanista amplifica um discurso ideológico dentro de sua comunidade, ao mesmo tempo em que suprime o discurso científico. Em nenhum momento, essa postura será questionada já que o processo de legitimação pelo qual aquele influenciador passou para ocupar espaço de distinção nas redes foi conferido pelos seus seguidores. Há uma espécie de pacto tácito nessa relação que já prevê justamente esse tipo de postura, conduta e opinião. Mais especificamente: é justamente por isso que o influenciador está onde está.
Assim, influenciadores podem ser ferramentas de amplificação de desinformação. Parte-se da premissa de que dentro de determinado grupo, aquele sujeito confirma e reflete percepções. Numa lógica projetiva e identificatória, aquilo que é dito pelo influenciador opera pelo viés de confirmação.
E há ainda um complicador: por vezes, influenciadores digitais são convocados a se posicionar sobre diversos assuntos em suas redes sociais por seus seguidores. De racismo a mudanças climáticas, influenciadores de viagem, moda e decoração abordam assuntos sobre os quais dominam pouco (ou nada) para responder aos anseios da audiência. O clamor por posicionamento é urgente, a exigência por influenciadores assumindo o papel de agentes da opinião pública é uma necessidade. No entanto, há que se considerar o efeito rebote do requisito: desinformação. Não coincidentemente, influenciadores digitais foram identificados pela imprensa como responsáveis por mostrar práticas equivocadas no combate à Covid-19 em países da região Ásia-Pacífico.
Mas há um contraponto. Em um panorama de avalanche informativa, influenciadores digitais atuam como filtros da rede, curadores de informação para seus seguidores. Nesse sentido, sua reputação é capaz de validar, dar credibilidade a notícias e dados. Apesar de ser um indicador da falência das nossas instituições democráticas e midiáticas, esse atributo pode ser positivo. Sabe-se, por exemplo, que mesmo os esforços de fact-checking não são suficientes para adentrar comunidades em que circula desinformação. Mas, talvez, os influenciadores digitais pudessem ser um agente capaz de extrapolar as “bolhas”, já que tratam de assuntos bastante diversos e não, necessariamente, integram grupos hiperpartidários.
Em 2020, por exemplo, a Cruz Vermelha contratou influenciadores digitais na Itália, Grã-Bretanha, México e Emirados Árabes para ajudarem no combate às teorias da conspiração sobre a Covid-19 e no desestímulo aos tratamentos inadequados da doença. Ou seja, a parceria sinaliza os pontos elencados aqui: influenciadores são amplificadores de discursos. Ao dar visibilidade aos dados da OMS, eles consequentemente silenciam mitos sobre a pandemia. Ainda, colaboram com a propagação de uma pauta e influenciam seguidores numa versão ampliada da tradicional #publi.
Influenciadores digitais são nós centrais das redes. Nós que condensam visibilidade, popularidade, reputação e até autoridade. Resta saber como essa influência poderá ser conduzida: se entre acordos comerciais ou motivações pessoais, se para a informação ou para a desinformação.