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nov 19, 2025 | Destaques, Notícias

Em meio a polarização e desinformação, Chile realiza primeiro turno de eleições presidenciais

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O primeiro turno das eleições presidenciais no Chile, realizado no último domingo (16), confirmou o cenário de polarização que já vinha sendo apontado ao longo da campanha. Com 99,99% das urnas apuradas, a candidata Jeannette Jara, do Partido Comunista do Chile e apoiada pelo presidente Gabriel Boric, terminou na primeira colocação, com 26,85% dos votos. Ela enfrentará José Antonio Kast, líder da extrema direita do Partido Republicano, que recebeu 23,92%. O segundo turno está marcado para o dia 14 de dezembro.

O cenário de polarização foi acompanhado por um aumento expressivo na circulação de desinformação durante a campanha, e o segundo turno deve aprofundar ainda mais esse fenômeno.

Entre os principais tipos de conteúdos enganosos identificados estão pesquisas eleitorais falsas atribuídas a institutos reais. Desde 2016, o Chile proíbe a divulgação de levantamentos de intenção de voto nos 15 dias que antecedem a eleição, uma regra que já é alvo de críticas de praticamente todos os partidos. Neste ano, a restrição começou em 2 de novembro e, como em ciclos anteriores, a ausência de dados oficiais abriu um vácuo informacional rapidamente ocupado por conteúdos manipulados que simulavam pesquisas inexistentes.

Um dos episódios mais virais desse período foi a circulação de uma falsa pesquisa que apontava uma suposta vitória folgada de Johannes Kaiser, candidato libertário de extrema direita do Partido Libertário Nacional (PNL), que nem sequer avançou para o segundo turno. O material se espalhou por plataformas como Facebook, TikTok e Instagram, alcançando grande repercussão antes de ser desmentido por equipes de verificação.

Uso da IA generativa para desinformação

O uso de inteligência artificial generativa também marcou a campanha, com a circulação de conteúdos que simulavam figuras públicas ou parentes de candidatos para difundir críticas e narrativas fabricadas. Essas peças buscavam sugerir apoios inexistentes ou criar rupturas políticas, explorando emoções e reforçando a polarização do debate eleitoral.

Um dos casos mais emblemáticos foi o de um vídeo atribuído a uma suposta prima de Jeannette Jara, no qual a mulher fazia críticas contundentes à candidata do Partido Comunista. A gravação viralizou rapidamente e gerou confusão entre eleitores, até que a equipe de Jara precisou se manifestar nas redes sociais.

No pronunciamento, a campanha esclareceu que a pessoa no vídeo não tinha qualquer relação familiar ou social com a candidata. Em nota, declarou lamentar “mais um ato de desinformação disseminado pelas redes sociais com o objetivo de prejudicar a credibilidade da candidata” e condenou a prática, classificando-a como uma ação que “busca minar a confiança pública e a convivência democrática”.

O que mostram os dados sobre a desinformação em outubro

O comportamento da desinformação que marcou o primeiro turno também aparece nos dados mais recentes compilados pelo Mala Espina Check, veículo de verificação de fatos do Chile, no estudo Tendencias de desinformación durante octubre en Chile.

Entre 1º e 31 de outubro, o estudo identificou 24 conteúdos virais falsos, com destaque para a rede X (antigo Twitter) como principal ambiente de propagação, um indicador de que a plataforma segue operando como terreno fértil para boatos de alto alcance em períodos eleitorais.

Segundo o levantamento, a maior parte das narrativas enganosas estava diretamente relacionada às eleições presidenciais, especialmente ataques personalizados a candidatos, declarações inventadas e vídeos adulterados.

Diferentemente dos casos já registrados durante a campanha, as peças analisadas em outubro revelam uma estrutura mais ampla de manipulação, que combina conteúdos fabricados com temas de “contingência nacional”, explorando tensões políticas internas e reforçando a polarização.

O estudo também identificou desinformação envolvendo política externa, como publicações falsas atribuídas ao presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, sobre migração, conteúdos que acabam servindo de combustível para debates domésticos já acirrados.

As verificações feitas por agências chilenas ao longo da semana pós-primeiro turno ilustram essa dinâmica. O Fast Check CL, por exemplo, desmentiu um vídeo gerado por IA que alegava que o Serviço Eleitoral (Servel) não fornece cópias físicas das folhas de apuração, informação classificada como falsa, já que o próprio órgão detalha em seu site os três documentos oficiais entregues ao final da votação.

Outra checagem da agência mostrou que uma foto que viralizou sugerindo uma fuga de imigrantes por medo do segundo turno também era enganosa: trata-se de uma imagem real, mas tirada em 2023 na fronteira de Colchane, sem qualquer relação com o contexto atual.

O Mala Espina Check também verificou a circulação de uma declaração manipulada atribuída à candidata Jeannette Jara, na qual ela teria desdenhado da necessidade de apoio do ex-candidato Marco Enríquez-Ominami Perisi. A frase, contudo, não existe. Foi extraída e distorcida de outra entrevista.

Desinformação e violência política de gênero

A cientista política e funcionária da área de Governança e Território do PNUD Chile, Valentina Salas em coluna no El País, destacou que mesmo o Chile tendo um sistema eleitoral robusto e amplamente confiável, o país não está imune à circulação de narrativas falsas, à desinformação sobre candidaturas e a ataques personalizados, especialmente contra mulheres.

No texto, Salas também apresentou dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) sobre as eleições regionais e municipais de 2024, que ajudam a explicar o contexto atual. Segundo o levantamento, a poluição informacional começou com ataques ao Serviço Eleitoral (Servel), que tinham como objetivo questionar sua integridade.

Com o avanço da campanha, porém, o alvo se deslocou para candidatas mulheres, acompanhando um aumento expressivo de insultos sexistas. Nesse período, 38% do conteúdo tóxico continha desinformação; após a votação, a toxicidade tornou-se majoritariamente agressiva e emocional (75%), com 25% das postagens incluindo discurso de ódio, 38% deles motivados por gênero.

A mesma combinação de desinformação, misoginia e hostilidade política aparece agora nas eleições de 2025. Entre 17 de setembro e 1º de outubro, o monitoramento do PNUD identificou que 74% da comunicação tóxica continha linguagem inflamatória, enquanto 69% das postagens violentas tinham motivação política. A violência de gênero seguiu presente: 59% dos ataques foram dirigidos a mulheres, repetindo um padrão consistente de assédio digital contra figuras femininas na política chilena.

Esse cenário é agravado pela predominância de contas anônimas, responsáveis por 58% das postagens tóxicas no período, o que dificulta a responsabilização institucional e amplia a circulação de conteúdos manipulados. 

Estratégias para conter a desinformação

Diante do aumento da desinformação no período eleitoral, diferentes atores do Estado e da sociedade civil têm reforçado mecanismos para proteger o debate público. Um dos marcos desse esforço é o Compromisso Ético com a Integridade da Informação Eleitoral, assinado em 10 de setembro por veículos de comunicação, organizações da sociedade civil, universidades, plataformas digitais e empresas de tecnologia.

A iniciativa, coordenada pelo PNUD e pelo Serviço Eleitoral (Servel), estabelece princípios comuns para orientar a atuação desses setores em 2025, como a promoção de um debate informado, o reconhecimento da liberdade de expressão e a corresponsabilidade na prevenção de práticas que distorçam o processo democrático.

Em paralelo, o governo lançou a campanha Chile Vota Informado 2025, focada em promover participação cidadã e incentivar os eleitores a consultar apenas fontes oficiais. Com o lema “Aguarde, Verifique e Compartilhe”, a iniciativa busca fortalecer práticas individuais de checagem e desestimular a circulação impulsiva de boatos. 

A campanha também ampliou a divulgação de dados operacionais que costumam ser alvo de desinformação, como as regras do voto obrigatório, as multas aplicáveis a quem não comparecer e os direitos de estrangeiros e chilenos residentes no exterior. Essas iniciativas, somadas ao trabalho cotidiano das agências de checagem e do jornalismo, que seguem desmentindo conteúdos fabricados e orientando o público, têm como objetivo comum fortalecer um ecossistema de informação mais resiliente e transparente em meio a um dos ciclos eleitorais mais polarizados do Chile, como descrevem analistas consultados pela CNN Brasil.

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