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Timon91 | Flickr

ago 19, 2025 | Destaques, Notícias

Desinformação marca eleições na Bolívia e muda cenário político

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Em outubro, a Bolívia viverá, pela primeira vez, um segundo turno presidencial e, também de forma inédita, sem a presença da esquerda: disputarão a presidência, no dia 19,  o senador Rodrigo Paz Pereira e o ex-presidente Jorge “Tuto” Quiroga. O cenário eleitoral boliviano foi moldado no último domingo (17), quando foi realizada a primeira fase das eleições do país, numa disputa marcada por desinformação e por uso de Inteligência Artificial.

Análise do El País aponta que esta foi a disputa com maior ativismo virtual da história boliviana.

Patricia Cusicanqui, editora-chefe do veículo de checagem Bolívia Verifica, destacou em entrevista ao jornal espanhol que “a campanha migrou das ruas para as redes. O volume de notícias falsas se multiplicou em comparação com o processo eleitoral anterior. É aí que estão o esforço, o tempo e o dinheiro dos candidatos, que não realizam mais as tradicionais caravanas nos bairros”.

Esse cenário foi confirmado pelas agências de checagem, que registraram uma enxurrada de conteúdos enganosos ao longo da campanha. De acordo com o EFE Verifica, as narrativas desinformativas foram das mais variadas: desde imagens manipuladas até pesquisas eleitorais inventadas, e em alguns casos chegaram a recorrer ao uso de inteligência artificial.

Entre os casos checados pela agência, esteve, por exemplo, a circulação de uma fotografia adulterada que mostrava o candidato Jorge “Tuto” Quiroga ao lado do norte-americano Jeffrey Epstein, acusado de tráfico sexual. A imagem original, registrada em 2000 em uma boate na Flórida, não incluía o político boliviano e foi manipulada digitalmente para associá-lo ao empresário.

Já o Chequea Bolívia desmentiu um vídeo amplamente compartilhado no TikTok que afirmava que o segundo turno seria disputado entre Quiroga e Samuel Doria Medina, candidato que assumiu a terceira posição no pleito. A análise da peça indicou alta probabilidade de que o material tivesse sido gerado por IA, reforçando a sofisticação das estratégias de manipulação nas redes.

Influenciadores entram no jogo da desinformação

A reportagem do El País, já mencionada anteriormente, também analisou que nesta campanha, uma nova tendência ganhou força: o uso de influenciadores e criadores de conteúdo como difusores de notícias falsas.

Segundo a publicação, o TikTok ultrapassou o Facebook como principal plataforma para esse tipo de material no país e um dos casos mais emblemáticos foi o de um vlogger com 55 mil seguidores, que afirmou em vídeo que 3,9 milhões de venezuelanos vindos do Chile e do Peru entrariam na Bolívia para cometer fraude eleitoral, obtendo identidades falsas para votar.

A publicação ultrapassou a marca de um milhão de visualizações nas quatro contas do criador e chegou a ser reproduzida por um analista político na televisão, ampliando ainda mais seu alcance.

Desinformação atinge até organismos internacionais

O Instituto Internacional para a Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA Internacional) também precisou se manifestar diante do avanço das notícias falsas no pleito boliviano. Fundada há três décadas, a organização intergovernamental atua em diferentes regiões do mundo com foco no fortalecimento da democracia, na integridade dos processos eleitorais e, mais recentemente, na relação entre digitalização e informação de qualidade.

Na reta final da campanha, circulou uma notícia falsa que atribuía ao IDEA a realização de uma pesquisa eleitoral sobre as eleições presidenciais da Bolívia. Em nota oficial, publicada no último dia 14 de agosto, o instituto desmentiu categoricamente a informação e esclareceu que não conduz, encomenda ou publica pesquisas de opinião. A organização alertou ainda para o risco de confusão entre os cidadãos bolivianos em um momento delicado, no qual a circulação de informações enganosas pode afetar diretamente o debate democrático.

Falta de informações oficiais impacta a diáspora no Brasil

A comunidade boliviana no Brasil, especialmente em São Paulo, relatou dificuldades para participar das eleições de 2025 devido à ausência de informações claras sobre o processo.

De acordo com a Bolívia Cultural, muitos eleitores não receberam orientações sobre onde votar e recorreram às redes sociais na véspera do pleito em busca de esclarecimentos.

Os problemas começaram já no cadastramento eleitoral (empadronamiento), marcado por longas filas e desorganização. Mesmo com quase 46 mil bolivianos habilitados apenas no estado de São Paulo – o Brasil é o terceiro país com mais eleitores bolivianos -, a comunicação entre a diáspora e os órgãos responsáveis foi insuficiente, gerando frustração e desânimo entre trabalhadores que desejavam votar.

Resultados e o declínio histórico do MAS

De acordo com o Tribunal Supremo Eleitoral da Bolívia, 78,55% dos 7,5 milhões de eleitores bolivianos compareceram às urnas no último domingo. Rodrigo Paz, do Partido Democrata Cristão, liderou a votação com 32,08% dos votos, seguido por Jorge “Tuto” Quiroga, da Aliança Livre, com 26,94%.

Em seguida ficaram o empresário Samuel Doria Medina (19,93%) e Andrónico Rodríguez, principal nome da esquerda, com apenas 8,15%. O governista Movimento ao Socialismo (MAS), que governou o país por duas décadas, sofreu sua maior derrota, obtendo apenas 3,14% dos votos e ficando em sexto lugar.

Uma reportagem da BBC analisou que a perda de protagonismo do MAS se insere em um contexto mais amplo, e que uma das marcas é o avanço de movimentos de direita no mundo. Ainda assim, a disputa boliviana tem características próprias: Quiroga é considerado representante de uma direita tradicional, distante do perfil radical de outsiders como Javier Milei na Argentina ou Jair Bolsonaro no Brasil.

A cientista política boliviana Moira Zuazo avaliou, em entrevista à BBC, que parte dessa diferença se deve aos avanços sociais consolidados durante os anos de Evo Morales, como a questão da inclusão, prevista na nova Constituição, que “não há marcha atrás”.

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