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jul 17, 2025 | Destaques, Notícias

Jornalismo local avança, mas segue frágil: o que revela o Atlas da Notícia 2025

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A nova edição do Atlas da Notícia, divulgada em 10 de julho, revela um cenário de leve, mas importante transformação no ecossistema da informação local no Brasil. Entre outubro de 2024 e junho de 2025, o país registrou uma redução de 7,7% nos chamados desertos de notícias, ou seja, municípios onde não há presença identificada de veículos jornalísticos locais. O principal fator por trás dessa mudança é o crescimento das iniciativas digitais, que continuam a preencher lacunas históricas de cobertura sobre temas públicos como saúde, educação, mobilidade e meio ambiente em nível municipal.

No período analisado, 251 municípios deixaram de ser classificados como desertos e 43 passaram a integrar essa categoria, resultando em um saldo positivo de 208 localidades agora atendidas por pelo menos um veículo de comunicação local. O avanço foi puxado quase exclusivamente pelo segmento online, que cresceu 8,9% em relação ao último levantamento: de 5.245 iniciativas digitais em operação para 5.712, um aumento de 467 veículos, número que representa quase o triplo da soma de novas emissoras de rádio e TV mapeadas no mesmo período.

Desertos, quase desertos e os desafios da cobertura local no Brasil

Apesar da redução dos desertos de notícias nos últimos dois anos, o levantamento do Atlas da Notícia 2025 mostra que a ausência de cobertura jornalística local ainda é uma realidade para quase metade do país. Atualmente, 2.504 municípios brasileiros não contam com nenhum veículo de imprensa local identificado, o que significa que cerca de 45% da população brasileira – mais de 20,6 milhões de pessoas – vivem em locais sem qualquer produção regular de notícias sobre sua própria cidade.

Em 2021, eram 3.280 municípios nessa condição. A queda expressiva é positiva, mas revela também um processo desigual de transição. No mesmo período, o número de “quase desertos”, municípios com apenas um ou dois veículos em funcionamento, saltou de 1.187 para 1.808. Já os “não desertos”, onde há pelo menos três veículos de cobertura local, cresceram de 1.103 para 1.258 entre 2021 e 2025.

O perfil demográfico desses desertos revela disparidades regionais. O Nordeste concentra o maior número de municípios sem veículos locais: 890, seguido de perto pelo Sudeste, com 830. Em contraste, o Centro-Oeste apresenta os menores índices, com 134 municípios classificados como desertos de notícias.

Concentração de veículos nas grandes cidades e capitais

O levantamento também aponta um desequilíbrio na distribuição geográfica dos veículos de imprensa no país. Há uma forte concentração nas capitais e grandes cidades, o que contribui para o aprofundamento das desigualdades no acesso à informação de interesse público.

Entre os 25 municípios com mais veículos registrados no Atlas, apenas Campinas não é uma capital. O Sudeste abriga 31,8% de todos os veículos jornalísticos do Brasil, com o estado de São Paulo liderando o ranking nacional: são 2.521 veículos mapeados no território paulista. Na lista das cidades com maior concentração de veículos estão São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte. No Norte, Manaus, Porto Velho e Belém ocupam o topo do ranking regional, enquanto no Nordeste o destaque fica para São Luís, capital do Maranhão.

A diversidade dos meios e a fragilidade do digital

Ao todo, o Atlas da Notícia contabiliza 14.809 veículos jornalísticos em atividade no país. Esse retrato revela a pluralidade de meios pelos quais o jornalismo brasileiro segue operando, muitas vezes em contextos de escassez de recursos e instabilidade econômica.

  • 5.712 veículos online
  • 4.994 emissoras de rádio
  • 2.852 veículos impressos
  • 1.251 emissoras de televisão

O crescimento do jornalismo digital segue sendo uma das marcas desta edição. No entanto, o relatório alerta que o meio online não está imune à crise do setor: 651 veículos digitais foram encerrados desde que passaram a compor a base do Atlas, são menos 334 deles só entre 2023 e 2025. A análise é direta: “É louvável a disposição do jornalismo de operar e sobreviver na medida do possível, de usar os meios e os recursos disponíveis para continuar relevante e prestar um serviço fundamental para a cidadania. Mas é aqui que devemos ter mais atenção.”

Reprodução: Atlas da Notícia

Vulnerabilidades estruturais e ameaças múltiplas ao jornalismo digital

Embora o meio online represente uma das principais portas de entrada para a expansão do jornalismo local, especialmente em regiões afastadas dos grandes centros, o Atlas da Notícia 2025 destaca que essa frente é também uma das mais frágeis e desprotegidas do ecossistema midiático brasileiro.

Estudos anteriores da própria equipe do Atlas revelam que muitas iniciativas digitais atuam com redações enxutas, sem estrutura de gestão ou comercial consolidada e com baixo conhecimento sobre novas fontes de financiamento. 

Essa precariedade operacional se agrava diante de um cenário marcado por concorrência desleal de sites governamentais, mantidos por prefeituras e criados, em muitos casos, exclusivamente durante períodos eleitorais. Como aponta o relatório, “a falta de políticas públicas para o segmento e os desafios para a sustentabilidade econômica que garanta a independência editorial são problemas conhecidos”.

Mas os riscos vão além da sobrevivência financeira. O Atlas alerta para um processo silencioso e preocupante de apagamento da memória coletiva: “Se o jornalismo produz o rascunho da história, a manutenção dos acervos digitais dos veículos em operação e a recuperação daqueles que já fecharam deveria ser uma questão a ser seriamente considerada”. Sem políticas de preservação, parte significativa da história cotidiana das cidades brasileiras, registrada em arquivos digitais, corre o risco de desaparecer.

Esse quadro de vulnerabilidade foi também evidenciado pelo relatório do Projeto Oasis Brasil, tema de matéria publicada pelo *desinformante em março deste ano. Segundo o estudo, 45% das redações nativas digitais já enfrentaram episódios de assédio online, sendo as mais atingidas aquelas que cobrem direitos humanos. 

A pesquisa ainda aponta o assédio jurídico como uma ameaça recorrente, que afeta com mais intensidade veículos pequenos e periféricos, com menor capital social e financeiro em comparação às organizações jornalísticas tradicionais.

Sobre o Atlas da Notícia

Criado em 2017, o Atlas da Notícia chega em 2025 à sua sétima edição, consolidando-se como uma das principais referências no mapeamento do jornalismo brasileiro. A iniciativa é uma realização do Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), mantenedor do Observatório da Imprensa, em parceria com a agência de dados Volt Data Lab.

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