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Foto: Rafa Neddermeyer/BRICS Brasil/PR

Desinformação, IA e dados: os planos do BRICS para o futuro digital

Foto: Rafa Neddermeyer/BRICS Brasil/PR
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Em meio ao avanço acelerado das tecnologias digitais e à crescente preocupação global com o uso da inteligência artificial, os países do BRICS voltaram suas atenções à governança da IA, à segurança da informação e ao combate à desinformação. Na declaração final da Cúpula, realizada neste fim de semana no Rio de Janeiro, os líderes do bloco destacaram a necessidade de garantir soberania digital, proteger direitos fundamentais e promover o uso ético e responsável dessas tecnologias.

O Brasil, na presidência rotativa do grupo em 2025, tem puxado essa agenda com ênfase, em sintonia com sua atuação recente no G20 e com os preparativos para a COP30, que ocorrerá em Belém.

A reunião oficial teve início no domingo (6), com a presença de chefes de Estado ou representantes de Índia, África do Sul, Egito, Indonésia, Emirados Árabes Unidos e Etiópia. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recepcionou os líderes no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e conduziu as sessões plenárias da cúpula, que chegou ao fim nesta segunda-feira (7). Os presidentes da China (Xi Jinping), Rússia (Vladimir Putin) e Irã (Masoud Pezeshkian) não estiveram fisicamente no evento, mas enviaram representantes. Putin participou por videoconferência.

Além da declaração conjunta que sistematiza os consensos políticos do grupo, os países do BRICS divulgaram também, na noite de domingo (6), um texto específico sobre inteligência artificial. Ao longo desta matéria, destrinchamos os principais pontos desses dois documentos no que se refere à governança de dados, à regulação da IA e às estratégias de enfrentamento à desinformação.

O alerta do BRICS sobre a Desinformação

A declaração final do BRICS foi contundente ao reconhecer que a desinformação, ao lado do discurso de ódio e da informação enganosa, representa uma ameaça crescente às democracias, à coesão social e aos direitos humanos.

O documento afirma que é preciso “intensificar a luta” contra essas práticas, especialmente em suas formas contemporâneas, e destaca o papel das tecnologias digitais nesse cenário.

No texto específico sobre inteligência artificial, os líderes alertam para os riscos da produção de conteúdos sintéticos – como textos, vídeos ou imagens falsos com aparência realista – que podem manipular a opinião pública, incitar agitações sociais e enfraquecer a confiança nas instituições. O grupo defende o desenvolvimento de ferramentas para sinalizar desinformações, o incentivo à alfabetização digital e a criação de diretrizes éticas que protejam a privacidade e os dados pessoais.

Legenda: Lula em coletiva de imprensa de encerramento da cúpula do BRICS. Autoria não informada | BRICS Brasil.

Durante a coletiva de imprensa que marcou o encerramento da cúpula, o presidente Lula reforçou a urgência do tema: “A inteligência artificial não pode ser uma coisa de dominação, de meia dúzia de empresas que vão controlar os bancos de dados do mundo. O Estado tem que assumir a responsabilidade de garantir que não se usa banco de dados para fazer guerra, para contar mentiras, para contar inverdades”, pontuou.

IA para o desenvolvimento responsável

O BRICS apresentou uma proposta conjunta de governança global da inteligência artificial centrada em inclusão, soberania e desenvolvimento sustentável. Segundo os documentos oficiais da cúpula, os países defendem que a IA seja regulada de forma equitativa, com foco em mitigar riscos e garantir benefícios concretos para toda a humanidade, especialmente para o Sul Global.

A Declaração dos Líderes do bloco destaca a necessidade de um esforço coletivo internacional que tenha as Nações Unidas no centro e que respeite as legislações de cada país. A proposta é clara: um modelo de governança representativo, transparente, baseado em direitos, acessível e capaz de reduzir as brechas digitais e de dados, em vez de aprofundá-las.

Na abertura da segunda sessão plenária, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que “as novas tecnologias devem atuar dentro de um modelo de governança justo, inclusivo e equitativo”. Para ele, “o desenvolvimento da IA não pode se tornar privilégio de poucos países ou instrumento de manipulação na mão de milionários”.

Como passo concreto, os líderes do bloco lançaram a Declaração dos Líderes do BRICS sobre Governança Global da Inteligência Artificial, documento específico com diretrizes para promover o uso responsável da IA no domínio civil. O texto defende padrões e protocolos interoperáveis, elaborados em processos inclusivos e baseados em consenso.

A proposta do BRICS busca frear a fragmentação das iniciativas de regulação da IA e fortalecer o multilateralismo. Os países alertam que visões divergentes e assimetrias atuais podem agravar a crise de legitimidade da governança digital internacional, comprometendo os esforços por uma internet e por tecnologias mais democráticas.

A Data Privacy Brasil, em nota, celebrou a publicação do documento específico sobre IA, afirmando que a iniciativa é um marco para a governança global das tecnologias digitais. “É importante que a Declaração reforce uma visão de soberania digital, bem como temas e uma linguagem ancorada em desafios que emergem em diferentes contextos no Sul Global, mas também aponte para o fortalecimento do multilateralismo e do papel da ONU na coordenação de esforços para a governança da IA”, posicionou-se a organização.

Governança de dados com soberania e inclusão

Os países do BRICS defenderam a criação de um marco comum e baseado em princípios para a governança de dados, com foco na soberania nacional, proteção de direitos e compartilhamento equitativo de benefícios. Segundo a declaração final, os dados são hoje “catalisadores do desenvolvimento orientado pela inovação” e ferramentas centrais para políticas públicas mais inclusivas e eficazes.

O texto destaca a necessidade de garantir “fluxos de dados transfronteiriços eficientes, convenientes, seguros e mutuamente acordados”, respeitando legislações locais e promovendo a interoperabilidade entre diferentes regulações nacionais. Entre os pilares propostos estão o uso ético dos dados, a proteção da privacidade e a promoção do acesso seguro às tecnologias digitais.

Como desdobramento concreto, os líderes saudaram a conclusão do “Entendimento sobre a Governança da Economia de Dados do BRICS”. O documento é visto como um roteiro estratégico para impulsionar a economia digital no bloco, “de modo a promover o acesso seguro à tecnologia, proteger os interesses individuais e nacionais, fomentar a digitalização da indústria e dos serviços, e expandir o comércio intra-BRICS”.


Propriedade intelectual também é uma preocupação

A declaração do BRICS destacou também a importância de fortalecer a cooperação entre os países do bloco na área de propriedade intelectual (PI), com foco no desenvolvimento econômico e social. O grupo elogiou os avanços obtidos no âmbito do PI-BRICS, especialmente nas ações de treinamento de examinadores, conscientização sobre direitos autorais e no estímulo à inovação orientada pelas necessidades dos países em desenvolvimento.

No contexto digital, os países alertam para os desafios crescentes relacionados à inteligência artificial, como a apropriação indevida de dados e o uso não autorizado de obras protegidas.

O documento reconhece a necessidade de garantir uma “remuneração justa aos titulares de direitos” e destaca o risco de deturpação de patrimônios culturais sub-representados em conjuntos de dados que treinam sistemas de IA. O grupo defende o respeito às legislações nacionais e aos tratados internacionais sobre o tema.

Já na Declaração sobre Governança Global da IA, os líderes reforçam que é essencial encontrar “um equilíbrio entre direitos de propriedade, transparência e responsabilidade”, a fim de proteger tanto os criadores quanto o interesse público. 

Cibercrime no foco do multilateralismo

O BRICS celebrou a adoção da Convenção das Nações Unidas contra o Cibercrime, classificando-a como uma conquista histórica para o fortalecimento da cooperação internacional frente às ameaças digitais.

O acordo, segundo a declaração final da cúpula, representa “uma ferramenta eficaz e o arcabouço jurídico necessário” para prevenir e combater crimes graves cometidos com o uso de tecnologias da informação e comunicação, além de viabilizar a coleta legal e oportuna de provas eletrônicas.

O texto reconhece ainda avanços específicos na proteção online de crianças, com destaque para a criação de mecanismos de cooperação entre os países do BRICS. O objetivo, segundo os líderes, é “aprimorar a cooperação nessa área por meio do intercâmbio de conhecimento e de melhores práticas”, ampliando a resposta a abusos e riscos enfrentados por crianças e adolescentes no ambiente digital.

Legenda: 2º dia de cúpula do BRICS. Isabela Castilho | BRICS Brasil.

O potencial das TICs

Os líderes do BRICS, em declaração, condenaram com veemência o uso de medidas coercitivas unilaterais, como sanções econômicas impostas à margem do direito internacional. Para o grupo, esse tipo de prática tem “implicações negativas de longo alcance para os direitos humanos”, agravando desigualdades e aprofundando a exclusão digital, especialmente em países em desenvolvimento, que enfrentam maiores barreiras para acessar tecnologias estratégicas.

Ao mesmo tempo, o documento destaca o potencial das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) como ferramentas essenciais para reduzir desigualdades e promover inclusão.

Os países reafirmaram o compromisso com um ambiente digital “aberto, seguro, estável, acessível, pacífico e interoperável”, defendendo a construção de normas e princípios internacionais para o uso responsável das TICs, com as Nações Unidas no papel central de coordenação.

O BRICS também ressaltou avanços internos, como a atuação do Grupo de Trabalho sobre Segurança no Uso das TICs, com iniciativas de cooperação entre equipes de resposta a emergências cibernéticas (CERTs), forças policiais e centros de pesquisa.

O bloco saudou ainda os memorandos de entendimento sobre cooperação multilateral e segurança digital, e defendeu o estabelecimento de um mecanismo global permanente, liderado por Estados e baseado em consenso, para tratar da governança das TICs no âmbito das Nações Unidas.

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