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Expansão de data centers: infraestrutura de IA ameaça recursos naturais

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Com o avanço acelerado da inteligência artificial (IA), o mundo assiste a uma explosão no número de data centers — estruturas responsáveis por processar, armazenar e distribuir os dados que alimentam os modelos de IA. Se, por um lado, esses centros evidenciam o avanço da inovação tecnológica, por outro, já se tornaram símbolos de uma nova frente de impacto ambiental. Consumo desmedido de energia, uso intensivo de água, extração de matérias-primas e geração de lixo eletrônico fazem parte de um ciclo cada vez mais insustentável — especialmente quando instalado em regiões socioambientalmente vulneráveis.

Relatório de 2024 produzido pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) aponta em dados os impactos da problemática. A fabricação de computadores e chips que alimentam a IA demanda quantidades gigantescas de recursos naturais: são necessários 800 quilos de matéria-prima para produzir um computador de apenas dois quilos.

Além disso, a produção de microchips depende de elementos de terra raros, cuja extração tem gerado profundos danos ambientais, especialmente em países do Sul Global. Com a explosão de data centers, que saltaram de 500 mil em 2012 para mais de 8 milhões em 2024, cresce também a pressão por minerais, solo e territórios.

O problema não se limita à produção. Durante sua operação, os data centers geram volumes alarmantes de lixo eletrônico contendo substâncias tóxicas como mercúrio e chumbo, além de demandarem água em larga escala para resfriamento. Tamanha infraestrutura poderá, em breve, consumir seis vezes mais água do que toda a Dinamarca. 

“A água dessas infraestruturas é utilizada principalmente para resfriamento térmico. Muitas vezes, ela é devolvida em altas temperaturas a reservatórios hídricos naturais, prejudicando a biodiversidade do ecossistema aquático”, explica Camila Cristina, coordenadora do GT-IA do LAPIN.

Regiões áridas ou com escassez hídrica têm sido, em contradição, alvo de gigantes como Google, Amazon e Microsoft, que buscam vantagens logísticas e fiscais, mesmo ao custo de intensificar vulnerabilidades locais.

A energia necessária para manter a IA funcionando também preocupa. De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA), uma simples interação com um sistema como o ChatGPT consome até 10 vezes mais eletricidade do que uma pesquisa em buscadores comuns. Em países como a Irlanda, data centers já representam quase 20% do uso nacional de energia — e podem atingir 35% até 2026. Projeção da IEA também indica que o avanço da IA poderá dobrar o consumo de eletricidade por data centers até 2030. 

O Brasil no centro da disputa por infraestrutura digital

O Brasil entrou com força na disputa por data centers. O Sul do país já recebe instalações voltadas para a IA, enquanto o Nordeste, detentor de uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, desperta o interesse de empresas estrangeiras. Mas o cenário é preocupante. Como explica Paula Guedes, pesquisadora em IA e assistente da Artigo 19 Brasil, “essas instalações têm ocorrido, muitas vezes, com incentivos fiscais e sem exigências claras de contrapartidas socioambientais. A ausência de regulação adequada pode perpetuar estruturas coloniais e intensificar desigualdades regionais”.

Cynthia Picolo, diretora do LAPIN, reforça: “A atratividade econômica não pode ser confundida com isenção de responsabilidade. É urgente estabelecer normas que obriguem à transparência sobre os impactos ambientais e sociais dessas infraestruturas”.

Regulação: o que falta no Brasil e no mundo

O Brasil ainda não possui exigências legais que obriguem data centers a divulgarem consumo de água ou energia. Para Paula, essa é uma “lacuna regulatória importante”, especialmente diante da emergência climática. Ela propõe integrar tais exigências aos processos de licenciamento ambiental, com auditorias obrigatórias, relatórios periódicos e acesso facilitado aos dados públicos. Também defende que o país valorize sua soberania digital, exigindo que dados nacionais sejam armazenados em território nacional.

Na União Europeia, iniciativas como a Diretiva de Eficiência Energética (EED) e a Lei de IA (chamada de AI Act em inglês) começam a desenhar uma governança ambiental para a IA, mas ainda de forma tímida. Países como Suécia, Holanda, Suíça e Chile avançam com exigências de relatórios, auditorias e certificações verdes para data centers, elementos que poderiam inspirar o Brasil a adotar uma política industrial mais inclusiva e ambientalmente responsável.

Quem paga essa conta?

Os principais afetados pela expansão predatória dos data centers são as comunidades locais, os ecossistemas e os territórios com pouca voz nos processos decisórios. Bacias hidrográficas pressionadas, populações em situação de vulnerabilidade energética e áreas suscetíveis ao deslocamento estão entre os grupos mais impactados. “Sem transparência e participação social, o risco é a perpetuação da injustiça ambiental digitalizada”, alerta Cynthia.

Além disso, a geração de lixo eletrônico, oriundo da rápida obsolescência dos servidores, segue como outro ponto negligenciado. O destino final desses resíduos, muitas vezes tóxicos, é incerto e raramente acompanhado de políticas de descarte adequado.

Caminhos possíveis

Ainda que o cenário atual seja alarmante, há alternativas promissoras. Camila cita os sistemas de refrigeração com reúso hídrico e a instalação de data centers em regiões frias e costeiras, que reduzem a dependência de água potável. Ela também denuncia o greenwashing promovido por empresas que divulgam relatórios ambientais com dados seletivos ou imprecisos, e assumem compromissos ambientais vagos, sem metas intermediárias claras.

Para que a IA não aprofunde desigualdades, as especialistas são unânimes: é preciso atrelar inovação à justiça socioambiental. Isso inclui desde critérios rigorosos de sustentabilidade até a consulta prévia às comunidades afetadas, passando por incentivos fiscais condicionados a metas reais.

No plano internacional, documentos como os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, a Recomendação sobre Ética da IA da UNESCO e o Pacto Global Digital apontam caminhos.

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