Início 9 Destaques 9 “Polêmica do PIX” mostra o impacto da desinformação e das redes sociais para políticas públicas

Últimas notícias

jan 20, 2025 | Destaques, Notícias

“Polêmica do PIX” mostra o impacto da desinformação e das redes sociais para políticas públicas

COMPARTILHAR:

Nas últimas semanas, 87% dos brasileiros receberam desinformações sobre o PIX e cerca de 67% acreditaram que o governo federal realmente cobraria uma taxa sobre operações financeiras realizadas pelo PIX. Esses números, publicados pela pesquisa da Quaest na última sexta-feira (17), mostram o impacto gerado por uma das principais narrativas desinformativas que ganharam as redes sociais após a Receita Federal anunciar medidas de fiscalização sobre o modo de transação financeira no início do ano.

Dos brasileiros que receberam os conteúdos desinformativos, ainda segundo a mesma pesquisa, 68% ficaram sabendo que o Governo Federal desmentiu a informação falsa posteriormente. Por outro lado, 31% não souberam disso. Já sobre a revogação da fiscalização, 55% tiveram conhecimento, enquanto 45% disseram que não ficaram sabendo. A pesquisa entrevistou 1200 brasileiros entre os dias 15 e 17 de janeiro.

A taxação do PIX foi uma das narrativas falsas que circularam nas redes sociais nas últimas semanas. De acordo com um levantamento realizado pelo Instituto Democracia em Xeque (DX) entre os dias 7 e 14 de janeiro, argumentos afirmando que a medida impactaria trabalhadores informais e traria vigilância governamental a contas bancárias também foram levantados por perfis principalmente de direita em redes como Instagram, X e YouTube.

Ao todo, o estudo do DX analisou 1.793 postagens relacionadas ao assunto que circularam pelo Facebook, Instagram, YouTube, TikTok e X. Desse montante, 855 foram compartilhados por perfis de direita e 846 pelo campo progressista. Os números de interações, porém, revelam uma maior predominância da ala da direita: em todas as redes analisadas os usuários desse espectro ideológico dominaram as interações sobre o tema, como mostra o gráfico abaixo.

Tatiana Dourado, diretora de formação e de literacia digital do Instituto Democracia em Xeque, explica que o episódio revela o impacto da existência de audiências hiperfragmentadas sobrepostas coesas digital e socialmente e a capacidade da extrema-direita de produzir uma comunicação digital com capacidade de criar pontes com esses diferentes públicos hiperconectados.

“Com isto, há um ambiente propício para produção e disseminação de interpretações equivocadas, mas politicamente interessadas, sobre fatos e acontecimentos políticos, o que favorece a sustentação de informações incorretas e a amplificação de campanhas de desinformação”, diz a pesquisadora.

A viralização de Nikolas Ferreira

Um dos principais conteúdos compartilhados pela oposição foi o vídeo publicado pelo deputado federal Nikolas Ferreira no dia 14. No vídeo, Ferreira afirmava que a medida afetaria principalmente trabalhadores informais, como feirantes e manicures, que teriam suas movimentações vigiadas pelo Estado. Até a tarde desta segunda-feira, o conteúdo já batia quase 322 milhões de visualizações no Instagram e 1,5 milhões no X.

Ainda de acordo com a Quaest, antes da publicação do vídeo, o assunto tinha gerado 5,8 milhões de interações no X, Facebook, Instagram, TikTok e YouTube. No dia seguinte, porém, o tema já alcançava 22,1 milhões de menções nas mesmas redes.

No dia 11, o senador Flávio Bolsonaro também utilizou o perfil no X para compartilhar a narrativa com foco no trabalhador informal. Na publicação, o político afirmou que a medida governamental visava “quebrar sigilo bancário dos brasileiros em massa, sem autorização”. O post já somava mais de 627 mil visualizações até a tarde desta segunda-feira.

O monitoramento governamental também foi levantado falsamente por outros perfis de oposição nas redes. Segundo essas postagens, o governo federal estaria tentando obrigar trabalhadores informais a migrarem para a dinâmica de Microempreendedor Individual (MEI) ou então quebrando o sigilo bancário dos brasileiros.

O impacto da dinâmica das redes para políticas públicas

Com a viralização de narrativas desinformativas, o governo federal revogou a medida na última quarta-feira (15), ação questionada por jornalistas, pesquisadores e influenciadores nas redes. “Quem ganhou foi a fake news e a direita provavelmente vai falar que venceu, que conseguiu revogar [a medida]”, afirmou a influenciadora Nath Finanças no seu perfil no Instagram no dia seguinte à notícia.

O episódio envolvendo o PIX também influenciou a fala do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, proferida durante a primeira reunião ministerial nesta segunda-feira (20), sobre a obrigatoriedade do aval do Planalto nas próximas portarias de ministérios. “Daqui para frente, nenhum ministro vai poder fazer portaria que depois crie confusão para nós, sem que essa portaria passe pela Presidência da República através da Casa Civil”, afirmou Lula. 

Luciana Moherdaui, pesquisadora da Cátedra Oscar Sala do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (IEA-USP), destaca como a dinâmica das redes e da comunicação digital contemporânea devem ser levadas em consideração pelo governo para a construção de políticas públicas e gerenciamento de crise. 

No caso do PIX, Moherdaui avalia que o governo buscou focar o apoio na mídia tradicional, sem levar em consideração uma estratégia de plataformas mais ampla. De acordo com a pesquisadora, é importante pensar um modelo ancorado em microtarget, que busque se comunicar com o público-alvo.

“As redes reconfiguraram o consumo de informações”, afirma a pesquisadora. “Há pelo menos 15 anos, estudos apontavam a troca de portais e sites jornalísticos por leitores/usuários para as redes.”

Tatiana Dourado também concorda que o episódio deixa evidente o impacto da desinformação e da dinâmica das redes sociais na formação de políticas públicas: “o caso do PIX revela a capacidade da direita radical de amplificar enganos e manipular a percepção sobre uma política pública a ponto de o governo recuar de decisões maturadas, sem grandes polêmicas entre especialistas, isto é, consideradas corretas e necessárias para o país”.

COMPARTILHAR: