O imbróglio com o X (antigo Twitter) no Brasil está longe de acabar. Desta vez, a Starlink, empresa de Internet via satélite gerenciada por Elon Musk, informou à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) que não irá bloquear o acesso à rede social no Brasil enquanto suas contas estiverem bloqueadas pelo STF (Supremo Tribunal Federal). A recusa de seguir a decisão judicial de bloqueio do X foi comunicada à Anatel no último domingo (1).
Um dia após o comunicado, um dos conselheiros da agência, Artur Coimbra, afirmou à imprensa que a outorga para operação da Starlink no país poderia ser revogada se a operadora continuasse ignorando a resolução proferida por Moraes – e agora reforçada pela primeira turma do STF. O presidente da Anatel, Carlos Baigorri, disse à GloboNews que a agência também está fiscalizando o cumprimento da decisão pela empresa.
A operadora norte-americana possui atualmente apenas 0,5% do mercado brasileiro, mas é utilizado principalmente na região Norte do país. Usuários do Starlink afirmaram que estavam com acesso ao X até pelo menos à noite do último sábado, enquanto as demais operadoras de Internet e de telefonia já haviam imposto o bloqueio pelo território brasileiro.
Nina Santos, diretora do Aláfia Lab e coordenadora geral do *desinformante, pontua que para além dos meandros de uma disputa Musk e Moraes – que ganhou repercussão recentemente, inclusive internacionalmente – o cerne da questão está vinculado à soberania nacional digital.
“Tanto do ponto de vista do absurdo ataque de Musk que acha que suas opiniões se sobrepõem às decisões de uma instituição de um outro país, quanto do ponto de vista de como esse episódio expõe a necessidade do Brasil de pensar soberania digital”, afirmou Nina.
Sobre um possível bloqueio da Starlink no país, ela diz que “não é aceitável ficarmos num dilema entre fazer valer as leis brasileiras ou deixar parte do território, especialmente a região amazônica, sem conexão”.
A coordenadora de campanha da organização internacional Eko, Flora Rebello, também sinaliza que a decisão reforçada pela primeira turma do STF é uma medida de segurança jurídica no Brasil em relação às expectativas por parte das big techs. “[A decisão] foi um sinal bastante contundente não só para Musk, mas para todas elas”, disse Flora.
Flora destaca que a resolução considerou, por exemplo, a necessidade de garantir que as plataformas colaborem no máximo previsto da lei para conter conteúdos de desinformação e ataques de ódio. “Se o X não está se mostrando disponível para cumprir a nossa legislação em tempos ‘normais’, imagine num período eleitoral. Tivemos uma prévia de como o X se comporta frente a crises, não só as eleições de 22, mas também nos ataques às escolas”, comentou.
Na segunda (2), a Starlink entrou com um novo recurso no STF para derrubar a decisão do ministro Alexandre de Moraes que determinou o bloqueio das contas bancárias da empresa. Na decisão, Moraes compreendeu que a operadora fazia parte do mesmo grupo que o X, chefiado por Musk. Um ex-funcionário do X, demitido após o fechamento do escritório no país, afirmou ao G1 que não teve parte das verbas rescisórias pagas por conta do bloqueio das contas da Startlink.
Como está o X sem os brasileiros?
Apesar de suspenso no Brasil, o X continua ativo no resto do mundo. Residente em Portugal, a brasileira Tatiana Dourado, diretora de educação midiática do Instituto Democracia em Xeque e secretária executiva da Sala de Articulação contra Desinformação (SAD), ainda tem o acesso à plataforma e vem acompanhando as movimentações da rede.
“A minha percepção é que o X perdeu ainda mais prestígio e tem se curvado a postagens polêmicas e de baixa qualidade, muitas delas vinculadas à extrema-direita”, disse Dourado. “O conteúdo agora gira muito em torno das postagens políticas de Elon Musk. O X parece ser sobre ele.”
A pesquisadora também destacou a presença de usuários brasileiros, aparentemente dentro do país, postando normalmente, inclusive parlamentares. No final de semana, políticos da direita brasileira burlaram o bloqueio e acessaram a rede por meio de VPN, funcionalidade que mascara a real identidade online do usuário. Perfis de veículos da imprensa brasileira também continuam postando na rede, mas afirmaram fazer isso por meio de correspondentes que estão em outros países.
Até mesmo um perfil dos Anonymous, coletivo hackerativista que busca defender pautas relacionadas aos direitos humanos e liberdades individuais, tem buscado pressionar Musk na rede. “Banir o X não é uma solução, prender Musk por suas ações ilegais sim”, postou o grupo.
Na segunda-feira (2), como mostrou a Folha, Musk continuou atacando Moraes, pedindo o impeachment do ministro. Por outro lado, alguns usuários brasileiros no exterior também comentaram que estavam se sentido sozinhos na rede após o bloqueio da plataforma.
Ação do Novo tenta reverter bloqueio
Após a primeira turma do STF formar maioria para manter o bloqueio, uma ação do Partido Novo caminha no Supremo para tentar reverter a decisão. Ainda na segunda, o ministro Nunes Marques foi sorteado para ser relator do caso. Na ação, o partido argumenta que a decisão de Moraes – e agora também da primeira turma do Supremo –, viola a liberdade de expressão e é desproporcional, alegando também que tal bloqueio pode interferir na lisura das eleições deste ano ao “censurar” o debate público e intervir no processo eleitoral.