Após sofrer pressão da indústria na segunda-feira (8), a votação do substitutivo do Projeto de Lei 2338, chamado de PL de IA, foi remarcada mais uma vez pela Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial no Senado (CTIA). Ataques recentes nas redes sociais pela extrema-direita, que relacionavam o texto à censura, também atrapalharam a finalização do processo da comissão que estava prevista para esta terça-feira (9).
O senador Carlos Viana (Podemos-MG), presidente da CTIA, disse que a votação do texto só será realizada após os “pontos polêmicos” serem totalmente esclarecidos. Na abertura da sessão, Viana fez um discurso direcionado aos recentes ataques de desinformação que o projeto de lei vem sofrendo nas redes sociais. “Não vamos votar até que tenhamos esclarecido ponto por ponto tudo isso”, afirmou o senador.
Nos últimos dias, movimentos de extrema-direita se mobilizaram online para disseminar campanhas desinformativas sobre o PL 2338, afirmando que ele iria censurar as redes sociais e dar poder de fiscalização ao presidente da república. “Uma forma de chamar atenção para um assunto que rende nas redes sociais, mas que não está no texto”, comentou Viana. Ainda não há previsão de novas datas para votação, que pode ficar para o segundo semestre deste ano. Entre os dias 18 e 31 de julho, os senadores entram em recesso parlamentar.
Às vésperas da votação, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI) lançaram juntas um comunicado contrário à aprovação do PL 2338. O principal argumento do setor é de que as regras previstas no texto podem barrar a inovação, deixando o país isolado e atrasado tecnologicamente.
A nota também criticou o que chamou de “carga de governança excessiva” aos desenvolvedores de IA, a intervenção externa em processos internos da empresa e até mesmo a escolha da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) como coordenadora do sistema fiscalizador. “[A ANPD] ainda está em processo de estruturação para a proteção aos dados pessoais, e não possui competência técnica sobre IA ou políticas de inovação, como outros órgãos do governo mais aptos ao desafio”, trouxe o comunicado.
O posicionamento da CNI foi reforçado na sessão desta terça-feira pelo senador Izalci Lucas (PL-DF), que pediu mais tempo de discussão. A CTIA recentemente realizou uma segunda rodada com cinco audiências públicas com presença majoritária de representantes do setor empresarial para discutir as últimas versões disponibilizadas do projeto. A realização das audiências foi vista como uma investida das empresas para tentar protelar a votação.
Lobby das big techs ocupa a Câmara
Nas últimas semanas, as empresas de tecnologia estão em ataque cerrado ao texto do PL 2338. Quem acompanhou presencialmente a sessão desta terça-feira na casa legislativa, relatou a presença de representantes das big techs no auditório, que estavam utilizando crachás da Câmara e, dessa forma, conseguindo locais de privilégio no ambiente.
Os principais questionamentos do setor de IA ao projeto estão relacionados ao pagamento de direitos autorais por conteúdo usado para o treinamento de modelos de IA, a classificação de sistemas de recomendação como de “alto risco” e as obrigações de transparência.
O adiamento gerou repercussão na sociedade civil, que se mobilizou para ir ao Congresso Nacional e para pautar as discussões nas redes sociais por meio da #PL2338SIM . “Mais uma vez, o lobby pesado de empresas como Meta, Google e OpenAI avançou contra a democracia. Seguiremos em luta denunciando sua estratégia e defendendo direitos”, publicou a organização Diracom (Direito à Comunicação e Democracia).
O movimento Dublagem Viva, que representa a categoria de dubladores para a regulamentação do uso de IA, também se manifestou sobre o adiamento: “Precisamos continuar pressionando os deputados e senadores pelo voto de SIM no Projeto de Lei 2338/23! Pela nossa categoria, nossa arte, nossa cultura e pelo sustento de tantas famílias!”, comunicou nas redes sociais.
Regulação não empaca inovação, argumenta sociedade civil
O receio do impacto da regulação nas condições de inovação do setor está presente nas discussões há bastante tempo. Mas, desde o ano passado, quando a CTIA realizava o primeiro ciclo de audiências públicas, pesquisadores e estudiosos da IA já levantavam a possibilidade da inovação não ser prejudicada pelas iniciativas de regulação.
Nesta semana, na nota de apoio à aprovação do PL 2338, a Coalizão de Direitos da Rede (CDR) também tratou do assunto, afirmando que o argumento levantado pelo setor empresarial é um dos mitos levantados por aqueles que se beneficiam de um ambiente tecnológico mal regulado.
“Não há embate entre regulação e inovação, ambas podem e devem coexistir, como aconteceu com o Código de Defesa do Consumidor em 1990 e com a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais em 2018”, trouxe a nota. “Além disso, a regulação baseada em riscos dos sistemas de IA permite o estímulo à inovação responsável, de forma a possibilitar o desenvolvimento econômico, tecnológico e social pautados no bem-estar e na promoção de direitos fundamentais.”