Semear dúvidas sobre a capacidade intelectual, questionar a moral e insultar a aparência são algumas das principais estratégias dos ataques de gênero que acontecem nas plataformas digitais no Brasil. Os resultados foram levantados pela pesquisa “As big techs e o uso da misoginia como arma no ecossistema online brasileiro”, divulgada esta semana pela organização internacional #ShePersited.
O estudo analisou mais de um milhão de postagens no Facebook, no X (antigo Twitter) e nos comentários do YouTube entre janeiro de 2019 e janeiro de 2024. O X teve a maior porcentagem de ataques de gênero (61% das postagens analisadas), seguido pelo YouTube (com 59,8%) e Facebook (53,4%). A coleta e análise de dados foram realizadas em parceria com a The Nerve, empresa fundada pela jornalista Nobel da Paz Maria Ressa.
Dos ataques encontrados, uma das principais estratégias foi questionar as habilidades, inteligência e reputação das mulheres em relação às suas profissões. Esse tipo de investida representou 75% dos ataques de gênero nos comentários do YouTube, 41% no X e 24% no Facebook. Jornalistas frequentemente eram alvos de ataques à credibilidade, especialmente aqueles críticos de Bolsonaro, que enfrentavam acusações de produzir “fake news” em todas as três plataformas.
Acusação de traição, anti-nacionalismo ou anti-governo representaram 60% dos ataques de gênero no Facebook, 31% no X e 15% nos comentários do YouTube. Essas postagens rotulavam as mulheres como “comunistas” ou “bandidas” para retratá-las como adversárias do Estado. Postagens contendo assédio sexual, comentários sexistas ou misóginos e ataques transfóbicos representavam 18% dos ataques de gênero no X, 7,1% nos comentários do YouTube e 4% no Facebook. Entre os insultos misóginos estavam expressões como “mulher chata”, “mulher insuportável”, “bruxa” e “fraca”.
“O fato de as mulheres estarem na vanguarda dos movimentos pró-democracia em todo o mundo faz delas uma categoria sujeita ao ataque pelos nacionalistas chauvinistas”, comentou Kristina Wilfore, co-fundadora da #ShePersisted, que esteve no Brasil para o evento sobre Integridade da Informação, realizado pelo Grupo de Trabalho em Economia Digital do G20, onde apresentou os resultados da nova pesquisa.
O estudo aponta que as plataformas digitais são utilizadas como armas para atacar mulheres no país, narrativas fomentadas com desinformação, que buscam desumanizar e difamar jornalistas, candidatas e outras profissionais que se posicionam no debate público digital. “Esses ataques certamente envolvem pessoas reais, mas também atividades em rede e muitos tipos de contas suspeitas para criar a impressão de que a sociedade está de fato a rejeitar a liderança das mulheres”, explicou Kristina.
As estratégias de ataque de gênero no país, porém, são bastante parecidas com as que ocorrem em outros lugares do mundo. “Mapeamos os ataques de ódio profundamente em países que têm sistemas políticos, culturas e realidades totalmente diferentes. Da Índia à Tunísia, Hungria, Ucrânia, Iêmen, e agora Brasil, podemos ver que os padrões são muito semelhantes”, afirmou a norte-americana.
Respostas das plataformas
Sobre as respostas das plataformas em relação aos ataques de gênero, Kristina pontuou que as bigtechs buscam manipular o discurso público, muitas vezes, por meio do fechamento de parcerias com organizações de verificações de fatos.
“Há certamente uma necessidade de verificação dos fatos e eu respeito todas as pessoas que estão nessa parte do ecossistema das redes sociais”, comentou Kristina. “Mas o que descobrimos é que a verificação de fatos por si só é uma resposta inadequada à desinformação de gênero porque não se trata apenas de informação falsa, pois é um tipo de ataque desumanizante, uma difamação.”
Em relação ao Facebook, a norte-americana lembrou que a rede social foi criada por Mark Zuckerberg, em 2024, para o julgamento da aparência de mulheres. “Não parece que Zuckerberg tenha crescido no período em que desenvolveu esta empresa, nem tenha sido responsabilizado pela forma como continua a minar o futuro da capacidade das mulheres de liderar e das garotas terem experiências saudáveis online”, comentou.
Mulheres são alvos de deepfakes
Outro ponto levantado pela co-fundadora da #ShePersisted foi o impacto das Inteligências Artificiais generativas nos ataques às mulheres. De acordo com Kristina, essas tecnologias estão sendo usadas para realizar abusos e violências com foco na população feminina. “Aplicativos de nudez, por exemplo, são literalmente criados para corpos de mulheres e meninas”, alertou.Em 2019, por exemplo, antes mesmo do surgimento das IAs generativas, uma outra pesquisa, desta vez produzida pelo DeepTrace Labs mostrou que cerca de 96% dos deepfakes eram pornográficos ou imagens de sexo não-consensual. Todos os conteúdos falsos achados pelo estudo eram de mulheres, principalmente atrizes e celebridades.