Dez anos após o NETMundial estabelecer princípios para a governança da internet, representantes da academia, sociedade civil, governo, empresas e comunidade técnica se reúnem novamente em São Paulo para discutirem um novo roteiro que seja capaz de lidar com os desafios atuais e construírem uma agenda comum e multissetorial. O evento NETMundial +10 acontece hoje (29) e amanhã (30) com mais de 400 participantes de 60 países.
A multisetorialidade foi um dos principais destaques do primeiro dia de evento. Na abertura, Renata Mielli, coordenadora do CGI.br e chair do NETMundial+10, pontuou que nenhum setor sozinho é capaz de promover as mudanças necessárias e que é preciso uma ação colaborativa. Para isso, o objetivo final do evento é a construção de uma declaração para essa atuação coletiva.
“A comunidade global atendeu ao chamado do Comitê Gestor da Internet no Brasil, participando ativamente da consulta e buscando, de forma multissetorial e colaborativa, construir um futuro em comum. As discussões do evento serão substantivas e promoverão, a partir da Declaração Final, recomendações concretas para a governança do mundo digital”, afirmou Mielli.
“Dez anos atrás nos reunimos nesse mesmo local para fazermos discussões pioneiras para princípios de governança de internet. O NETMundial fez mudanças significativas para promover um debate multissetorial e tratou todos os interessados igualmente, marcando uma ruptura com o sistema intergovernamental do século passado”, afirmou o professor e pesquisador Virgílio Almeida, que atuou como chair no NETMundial de 2014.
A ministra da Ciência, Tecnologia e Inovação do Brasil, Luciana Santos, também destacou esse princípio colocando o Comitê Gestor da Internet brasileiro como exemplo bem-sucedido mundial de multisetorialidade. Santos também colocou a necessidade de dar passos adiante ao Marco Civil da Internet e pontuou os desafios atuais, como a busca por uma governança que não se incline à fragmentação de espaços e temáticas.
Apesar de essencial para esse processo, a multisetorialidade significativa ainda é um obstáculo que precisa ser enfrentado. No painel que discutiu os desafios globais para a governança multissetorial, diversos participantes destacaram que estar na mesa de negociações não garante uma representação significativa de todos os setores. Neth Dano, da ETC Group, colocou que não existe igualdade nas discussões porque não há igualdade de condições de acesso, justamente pela assimetria de poder entre os setores.
“Nunca estaremos em igualdade de poder com governo e a indústria, não temos a mesma capacidade de reunir as pessoas, para conseguirmos alcançar uma igualdade, precisamos ter igualdade em termos de financiamento também”, disse Florian Martin-Bariteau, da Universidade de Ottawa.
Michel Souza, representante da Derechos Digitales, pontuou a dificuldade de uma participação inclusiva da sociedade civil por fatores como a falta de acesso a documentos básicos, a língua e os locais onde os eventos acontecem, reforçando também que a falta de financiamento aumenta essa desigualdade. “Precisamos de processos que fomentem a participação da sociedade civil, para aprender sobre esses processos, garantir a participação efetiva, ser proativo para ouvir quem não é ouvido, como comunidades historicamente excluídas e dar visibilidade ao Sul Global”, disse.
Documento final é resultado de consulta pública com 154 contribuições
Na parte da tarde, os participantes iniciaram as sessões de trabalho, que buscam ouvir os participantes sobre os princípios da governança. Para isso, partem de um documento que é resultado de um processo colaborativo, moldado por 154 contribuições escritas e online de representantes de governos, setor privado, sociedade civil e comunidades técnicas e acadêmicas reunidas por meio de uma consulta aberta realizada entre março e abril de 2024.
A primeira sessão de trabalho contou com colaborações de 24 pessoas presentes em São Paulo e nove pessoas na modalidade remota. As colaborações variaram muito entre apoiar os princípios já definidos a inclusão de novos temas e debates, como o respeito aos direitos humanos, acessibilidade universal da internet, respeito às diferenças regionais, inclusão de princípios para o desenvolvimento sustentável, respeito a princípios democráticos, entre outros. O relator do GT, Jordan Carter, da HLEC, mencionou que alguns não se referem à governança da internet mas que todos serão observados e podem ser considerados no documento final.
“Nossa tentativa será de maximizar o consenso”, afirmou Raul Echeberria, da HLEC, um dos moderadores do GT.
Muitos participantes questionaram também termos que estão presentes no documento final, como usuários de internet. No chat da participação remota as discussões sobre terminologias empregadas no texto e garantia da participação equânime de todos os setores foram intensas.