Em países populosos do Sul Global, os aplicativos com maior disseminação de notícias falsas são os de mensagens, cuja principal funcionalidade não é guiada por algoritmos nem modelada diretamente por inteligência artificial. Ainda assim, por características próprias, criam-se incentivos ao processo de desinformação, com efeitos igualmente negativos para a democracia. Isso porque os serviços de mensagens são um meio de comunicação interpessoal e, ao mesmo tempo, um meio de comunicação viral (pela facilidade de difusão em grupos grandes, listas de transmissão etc.) e de massa (no caso do Telegram, por exemplo, que tem canais que permitem dialogar com milhões de pessoas).
Ainda que as mensagens virais sejam minoritárias em relação às mensagens interpessoais, o número absoluto é alto. As mensagens virais se multiplicam em aplicativos em um ambiente opaco. Isso significa que conteúdo desinformativo circula sem oportunidade de questionamento ou de resposta na mesma escala. Aqui vale a pena dizer: a criptografia, às vezes apontada como um problema, não deve ser responsabilizada. Os aplicativos não criptografados também são opacos. E a criptografia é essencial para garantir a confidencialidade na faceta interpessoal dos serviços.
As mensagens virais também tiram proveito do anonimato que é uma regra geral em alguns dos aplicativos mais populares, como o WhatsApp. A longa história dos boatos na política sempre contou com o anonimato, mas a diferença é que eles circulavam boca a boca ou em panfletos apócrifos. No mundo da internet, com sistemas de mensagens funcionando como ferramentas de tração, eles têm um grande impacto.
O anonimato na comunicação de massa é importante como uma exceção para proteger pessoas e grupos vulneráveis, mas quando se torna uma regra geral, que organiza todo o ambiente, pode criar dois problemas. Em primeiro lugar, a circulação de conteúdo sem autor impede, na prática, sua responsabilidade moral e legal. Isso cria um mecanismo para encorajar a distribuição de conteúdo enganoso ou calúnia para fins políticos. O segundo problema com o anonimato como regra é que ele abre caminho para a exploração perniciosa das fraquezas da psicologia humana. O conteúdo não atribuído é mais facilmente repassado porque não depende da credibilidade do autor e não responsabiliza moralmente quem o repassa.
Entidades como a Internet Society tem demonstrado preocupação com propostas legais de medidas de rastreabilidade das mensagens virais, que visam identificar responsáveis por conteúdo viral ilegal.
Ao mesmo tempo, empresas como o WhatsApp têm tomado uma série de medidas para combater a desinformaçao na plataforma. Entre as medidas estão:
- Manter o caráter privado do WhatsApp
- Criptografia de ponta a ponta:
- Limites de encaminhamento
- Limites mais rígidos para mensagens virais
- Denúncias e bloqueios
- Impedir o uso abusivo do WhatsApp
- Banimento de mensagens em massa
- Prevenção contra o uso abusivo de grupos
- Instrução a partidos políticos
- Empoderar os usuários para combater a desinformação
- Etiquetas de encaminhamento
- Pesquisa na internet
- Checagem de fatos
- Parcerias e campanhas educativas
- Registro de eleitores e informações sobre votação
Exemplo marcante
As eleições de 2018 foram marcadas pela ampla ocorrência de desinformação nos aplicativos de mensagem. Estudos mostram como se deu a viralização de notícias falsas nas eleições brasileiras e discutem o peso que esse fenômeno teve no resultado eleitoral.
Ainda que os resultados não sejam conclusivos, é possível dizer que os processos de desinformação tiveram impacto visível nas definições de voto tomadas na última semana antes do primeiro turno.