Após o Comitê Judiciário da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos divulgar documentos sigilosos da Justiça brasileira, envolvendo redes sociais, atores da sociedade civil organizada e pesquisadores se pronunciaram sobre o caso. O professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade Carlos Affonso Souza avaliou que a divulgação das decisões sigilosas no Congresso dos EUA é “uma manobra para aquecer o debate eleitoral” trazendo temas como censura e a própria moderação de conteúdo nas plataformas.
Perspectiva parecida trouxe o assessor na área de Ecossistemas de Tecnologias de Informação e Comunicação da organização Artigo 19, André Boselli, para quem as ações dos congressistas republicanos norte-americanos, bem como os últimos episódios envolvendo o bilionário Elon Musk, são tentativas de “colocar lenha na fogueira” tanto no processo eleitoral dos EUA, que se prepara para realizar uma eleição presidencial polarizada em novembro, como no Brasil, que está às vésperas da campanha para o pleito municipal. André pontuou a inversão de papéis que a extrema direita, em conluio com Musk, tenta emplacar, afirmando que esta é uma “tentativa internacional de colocar o Brasil, um caso que conseguiu conter temporariamente a extrema-direita, como um país antidemocrático, coisa que evidentemente não é”.
Além disso, André lembrou que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) irá pôr fim ao sigilo das decisões de remoção de conteúdo durante as eleições deste ano. Uma das novidades contidas nas resoluções publicadas pelo tribunal em fevereiro é a criação de um repositório que receberá e registrará os processos com os pedidos de remoção de conteúdos inverídicos ou que ameacem a integridade das eleições, fazendo com que informações como o número do processo e a íntegra da decisão sejam disponibilizadas publicamente.
A ex-secretária de Direitos Digitais do Ministério da Justiça, Estela Aranha, disse, via X, que nunca viu “nada mais grave” e destaca que o “Congresso é soberano para editar nosso próprio regramento eleitoral”. Aranha também comparou a atuação da justiça dos EUA com o Brasil, lembrando que após o ataque ao Capitólio o X precisou remover 150 mil contas por determinação da Justiça, enquanto após o 8 de janeiro de 2023 a rede social foi chamada a remover 150 contas que ameaçavam o Estado Democrático de Direito.
O antropólogo e professor no departamento de Estudos de Mídia na Universidade de Virgínia (EUA) David Nemer pontuou que não é o governo ou o Supremo Tribunal Federal que precisarão prestar esclarecimentos aos EUA, “mas sim os deputados americanos, que terão que explicar por que vazaram decisões sigilosas do STF”. O professor de direito da Universidade de São Paulo, Rafael Mafei, examinou que a situação mostra a estratégia de Musk de “criar um grande movimento político-social, inclusive com ramificações internacionais, para aumentar o custo político de medidas judiciais contra ele”.
A pesquisadora Nina Santos, diretora do AláfiaLab e coordenadora do *desinformante, argumentou que essa divulgação é “colonialismo e interferência na nossa soberania”. “Estamos vendo de maneira muito concreta que, além de decidir o que vale e o que não vale no debate público ao redor do mundo, além de controlar dinâmicas de visibilidade da esfera pública contemporânea, as plataformas digitais podem ser usadas como armas geopolíticas”, analisou Santos, que ainda relembrou a falta de perspectiva de regulação de plataformas no Brasil: