Apesar de 84% da população brasileira ter acesso à internet, apenas 22% dos brasileiros têm condições boas o suficiente para enquadrar essa conectividade como significativa. Esse é um dos principais achados do estudo “Conectividade significativa no Brasil: o retrato da população”, lançado nesta terça-feira (16) pelo Comitê Gestor da Internet, que revela a qualidade e efetividade do acesso da população às tecnologias digitais.
A pesquisa foi realizada a partir dos dados já coletados na pesquisa TIC Domicílios, que fornece indicadores sobre a conectividade de indivíduos e domicílios no Brasil há 19 anos. A partir disso, foram elencadas quatro dimensões para a análise da conectividade significativa, são elas: acessibilidade financeira, acesso a equipamentos, qualidade de conexão e ambiente de uso.
Dentro dessas dimensões foram estabelecidos nove indicadores para avaliar o grau da conectividade dos indivíduos: custo da conexão domiciliar, plano de celular, dispositivos per capita, computador no domicílio, uso diversificado de dispositivos, tipo de conexão domiciliar, velocidade da conexão domiciliar, frequência de uso da Internet e locais de uso diversificado.
De acordo com o estudo, a conectividade significativa é um conceito que envolve diversas dimensões para compreender a interação entre os indivíduos e o mundo online. “Essas dimensões incorporam importantes conceitos para uma análise abrangente e aprofundada das dinâmicas de acesso e uso da Internet. Nos últimos anos, a literatura sobre inclusão digital tem incorporado o debate sobre a relação da conectividade significativa com o empoderamento dos indivíduos e comunidades socialmente marginalizadas e sua importância na redução das desigualdades digitais”, destacou a pesquisa.
A pesquisadora Graziela Castello, coordenadora de estudos setoriais no Cetic.br e responsável pelo levantamento, explicou que cada indicador representa um ponto na medição e, dentro dessa metodologia, em 2023 só 22% da população alcançou uma “nota” entre 7 e 9 indicadores, enquanto 33% se encontram no estrato mais baixo, alcançando nenhum, um ou dois dos indicadores analisados.
Apesar de ser um número baixo de conectividade significativa, a série histórica que a pesquisa apresenta mostra uma evolução desde 2017, ao mesmo tempo em que ocorre um decréscimo da população no pior grau de conectividade. “A gente precisa analisar com que velocidade a curva vermelha e a azul vão mudar de lugar”, acrescentou Castello no evento realizado pelo Comitê gestor da Internet.
A pesquisa revelou uma relação absoluta e direta entre os níveis de conectividade e as habilidades dos usuários. A maioria das pessoas que verificam se uma informação é verdadeira ou não são as que alcançaram pelo menos 7 pontos nos indicadores de conectividade. Dessas, 76% já checaram informações, contra 24% dos usuários que não possuem mais que dois indicadores. Os resultados praticamente se repetem em questões como mudança de configurações de privacidade e adoção de medidas de segurança.
“As barras mostram que à medida que eu avanço a cada degrau e nível de conectividade, eu aumento significativamente a incidência de determinada habilidade digital na população. Isso reforça que aqueles grupos mais vulneráveis, com menos condições de acesso são os que têm menos competência para gerenciar os riscos que a rede apresenta”, disse a pesquisadora.
A realização de atividades online também foi medida na pesquisa, que destaca a disparidade entre aqueles com maior e menor grau de conectividade significativa, principalmente em questões como a busca por informações – seja de saúde, governamental ou sobre produtos – e atividades chamadas de transnacionais, como comprar produtos ou realizar atividades financeiras.
Quem tem a pior conectividade?
A pesquisa apontou também quais são as dimensões territorial, sociodemográfica e socioeconômica da qualidade dessa conexão no Brasil. Em termos regionais, as regiões Nordeste e Norte são as que apresentam os menores índices de uma conectividade significativa, assim como as áreas rurais do país. Em relação ao tamanho das cidades, quanto maior a cidade, melhor o desempenho. Naquelas com até 50 mil habitantes, 44% da população encontra-se na pior faixa da escala. Nas com mais de 500 mil habitantes, por sua vez, a proporção negativa cai quase pela metade (24%).
Na análise sobre a faixa etária, uma surpresa: os mais jovens não são o grupo com os melhores indicadores de conectividade significativa. O estudo revela que somente 16% e 24% daqueles com idades entre 10 e 15 anos e 16 e 24 anos, respectivamente, estão na faixa mais alta (entre 7 e 9 pontos). Os níveis mais elevados ocorrem entre os grupos etários de maior incidência no mercado de trabalho (entre 25 e 44 anos).
“Essa nossa proposta de medição que parte da sobreposição de condições de acesso com qualidade tem um ganho. Se a gente olhar as variáveis isoladas, às vezes algumas das barreiras mais fortes não aparecem. Se eu olhar ‘usuários de internet no Brasil’, vou achar que não tem nenhuma diferença entre homens e mulheres. Quando eu combino as condições de conectividade, ou seja, penso no sexo, mas penso nas condições de domicílio daquele indivíduo, no ambiente que ele está inserido, muda o retrato”, disse a pesquisadora Graziela Castello.
Castello destacou isso porque a proporção de pessoas com melhor conectividade significativa é consideravelmente maior entre os usuários do sexo masculino (28%), na comparação com os do sexo feminino (17%), são 11 pontos percentuais de diferença. “As condições mais precárias de conectividade observadas entre aquelas com o sexo feminino potencializam as barreiras pré-existentes para sua inclusão produtiva, equiparação de renda, incidência pública e participação na vida social, política e econômica do país, destaca o relatório.
A pesquisa foi apresentada no evento Para além do acesso à Internet: como garantir a conectividade significativa, do Comitê Gestor da Internet, que contou com mesas e debates sobre o tema. “A gente vinha discutindo muito a questão para além do acesso, tentando conceituar o que seria a conectividade significativa, o acesso significativo, mas a gente precisa na verdade ir além do debate conceitual sobre esse tema e encontrar respostas em termos de políticas públicas, marcos normativos, regulatórios que o país deveria ter para garantir uma conectividade significativa”, pontuou, na abertura do evento, Bia Barbosa, conselheira do CGI e membro da Coalizão Direitos na Rede.