O uso de mídias sociais mudou nossas sociedades, quanto a isso há um certo consenso. Mas, afinal, essas mudanças são positivas ou negativas?
Não muito tempo atrás, nos anos 2010, vimos emergir pelo mundo uma onda de protestos mobilizados pela internet pedindo mais democracia nos mais diversos países. A chamada Primavera Árabe aconteceu no Egito, na Tunísia, entre outros países da região, os Estados Unidos viveram o Occupy Wall Street, os Indignados tomaram conta da Espanha e os movimentos estudantis ganharam força no Chile. Esses são apenas alguns exemplos de um momento em que as mídias sociais foram vistas como uma oportunidade de aprofundar democracias, incluir novas vozes no debate público e contrapor governos pouco porosos às vozes populares.
Passada uma década, a percepção do papel social das mídias sociais mudou radicalmente. A eleição de Donald Trump e o referendo do Brexit, em 2016, a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, entre outros acontecimentos, serviram para marcar uma virada na visão sobre o papel das tecnologias digitais. O fenômeno das fake news, assim como novas estratégias eleitorais possibilitadas por essas tecnologias (como o microdirecionamento) fizeram as mídias sociais passarem a ser vistas como uma ameaça à democracia e ao debate público saudável.
Uma análise criteriosa do papel das mídias sociais no debate público precisa levar em conta que, sim, elas têm um papel importante na inclusão de novas vozes na esfera pública – vide o movimento Black Lives Matter e Vidas Negras Importam ou os diversos movimentos feministas que ganharam mais espaço através do digital -, mas isso não tem apenas um efeito positivo. Novas vozes no ambiente digital também significam uma quantidade gigantesca de informação circulando rapidamente, sem necessariamente ter o compromisso com os fatos a que o jornalismo se propõe. Isso abre espaço para estratégias perigosas, especialmente aquelas que se alimentam da conjunção da chamada ‘economia da atenção’ com a datificação. Essa lógica econômica das plataformas impacta diretamente o debate público.
Temos uma série de espaços digitais que funcionam cada vez mais através da captura da atenção, do olhar, do foco e da venda desse ativo. Sim, o espaço publicitário dos jornais impressos e os comerciais dos canais de televisão já seguiam essa lógica, mas numa dimensão muito menor. Além disso, há um elemento novo que muda substancialmente a lógica desse negócio: a quantidade de dados que passam a ser capturados, tratados e vendidos. Não se trata apenas de vender espaços com audiência garantida, mas sim de comercializar a atenção para públicos altamente segmentados e específicos. Essa nova dinâmica de circulação de conteúdos pagos e não pagos, interpessoais e de amplo alcance, modifica substancialmente a forma como se dá o debate na esfera pública. .
Para capturar atenção, as plataformas apostam em atrair seu olhar para conteúdos mais próximos do seu gosto pessoal. Saímos de um espaço público concentrado nos grandes meios de comunicação para um ambiente mais fragmentado (são ‘muitos espaços públicos’) e movido por algoritmos e afinidades pessoais. Pesquisadores têm buscado compreender, ao fim do dia, as consequências desse arranjo para a diversidade de opiniões e pontos de vista efetivamente consumidos e para a criação de uma noção comum de sociedade.
Exemplo marcante
Em 2020, os movimentos #VidasNegrasImportam e #BlackLivesMatter no Twitter brasileiro foram responsáveis por fazer com que casos de violências racistas rapidamente deixassem de ser tratados como episódios isolados e fossem associados a um movimento maior. Na mídia tradicional esse foi um movimento que demorou mais pra acontecer.
Por outro lado, o relatório anual do Reuters Institute de 2021 sobre consumo de informações online mostrou que há uma diferença cada vez maior entre a confiança das pessoas nas informações vindas da mídia tradicional e aquelas vistas em mídias sociais.