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dez 26, 2023 | Destaques, Notícias

Fake news, discurso de ódio e dinâmica das redes levaram à tragédia com jovem brasileira 

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O Brasil presenciou mais uma tragédia envolvendo desinformação, discurso de ódio e o modelo de negócios das big techs que prioriza a disseminação de informação falsa e radicalizada. Na sexta-feira (22/12), Jéssica Vitória Canedo, de 22 anos, acabou tirando a própria vida depois de sofrer ameaças online em razão de uma informação falsa publicada pelo perfil Choquei nas redes sociais. Ministros  reforçaram a importância de se regular as plataformas digitais para impedir que casos semelhantes aconteçam. Políticos da direita aproveitaram o episódio para levantar suspeitas de que o perfil é alinhado ao governo Lula e pedem investigação sobre uso de dinheiro público na manutenção do Choquei. 

A jovem mineira foi citada pela página como um possível affair do influenciador Whindersson Nunes a partir de prints falsos. Jéssica chegou a desmentir a informação no seu perfil pessoal e disse que estava recebendo ataques sobre sua classe social e aparência, além de ameaças a sua família e sua integridade física. Jéssica e a sua mãe chegaram a pedir que parassem os comentários de ódio e que a mentira não fosse mais compartilhada.

No dia 23, a Choquei publicou uma nota de esclarecimento no perfil do X (ou Twitter) afirmando que não houve irregularidade na divulgação das informações e que as publicações foram feitas com “base em dados disponíveis” e em cumprimento à liberdade de informação. A página, que chegava a publicar dezenas de postagens por dia, removeu as publicações referentes ao caso e está sem atualização desde então. Além disso, a advogada que assinou a nota não será responsável por defender o perfil.

Em resposta ao caso, a Polícia Civil de Minas Gerais já estuda a possibilidade de ouvir os representantes da página, como noticiou a CNN. O inquérito sobre a morte da jovem foi aberto e, ainda na semana passada, os investigadores tiveram acesso à necrópsia do corpo da vítima e realizaram um levantamento das publicações nas redes sociais que mencionaram Jéssica e Whindersson.

David Nemer, professor da Universidade da Virgínia que pesquisa desinformação, protestou, em sua conta no X, sobre colocar vidas em risco por conta de likes, compartilhamentos e engajamentos. “Quantas pessoas mais precisam morrer para que possamos ter finalmente uma regulação para evitar essas tragédias? Tratar de desinformação é uma questão de direitos humanos”, escreveu Nemer no X.

Ministros defendem regulação das plataformas digitais e direita tenta associar governo ao Choquei 

Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos, afirmou no seu perfil do X que o caso de Jéssica envolve questões de saúde mental, mas também de política, tornando a regulação das redes sociais um “imperativo civilizatório”. De acordo com Almeida, “a irresponsabilidade das empresas que regem as redes sociais diante de conteúdos que outros irresponsáveis e mesmo criminosos nela propagam tem destruído famílias e impossibilitado uma vida social minimamente saudável”.

A ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, também se posicionou sobre o ocorrido, apontando a irresponsabilidade de plataformas e de perfis que lucram com misoginia e disseminação de desinformação. A ministra afirmou que o combate às informações falsas e à misoginia é uma das prioridades do governo federal.

“É preciso que haja justiça urgente para a trágica morte de Jéssica e que possamos construir também em curto prazo um ambiente saudável e de respeito para as mulheres na internet”, publicou Gonçalves no seu perfil do X. O Ministério das Mulheres firmou parceria com o NetLab, laboratório de pesquisa vinculado à Escola de Comunicação (ECO) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), no último dia 20 de dezembro,  para realizar uma pesquisa focada no discurso misógino e na desinformação direcionada às mulheres nas plataformas de redes sociais. A iniciativa tem como objetivo analisar duas formas principais de desinformação: a produção de conteúdo audiovisual com discurso de ódio às mulheres que gera receita em plataformas digitais e a ocorrência de golpes e fraudes direcionados às mulheres, que acarretam danos financeiros, psicológicos e de saúde. 

O próprio Whindersson Nunes, que esteve relacionado à informação falsa, postou um vídeo no perfil do Instagram pedindo a instauração de uma lei com o nome de Jéssica Vitória para impedir que as fake news e discurso de ódio sejam propagados na internet. Ele também pediu que não haja perseguição e publicação de fotos dos proprietários do perfil Choquei, o que poderia provocar uma reação violenta a algum deles no offline. 

O deputado Nikolas Ferreira disse que irá acionar o Ministério Público para apurar os fatos e “levar a uma responsabilidade penal e cível dos proprietários da Choquei”. Na mesma linha, o deputado Kim Kataguiri disse que vai enviar requerimentos de informação para todos os Ministérios do Governo Lula “para saber se algum deles deu dinheiro público para a Choquei”.

“Não é de hoje que a Choquei, além de disseminar ódio e fake news (como a que levou a morte da jovem Jéssica Canedo), faz também propaganda pro Governo. Queremos saber se a Choquei, ou qualquer outra página agenciada pelos mesmos donos, recebeu dinheiro público para passar pano pro PT.”, disse o deputado em sua conta no X. Ferreira, junto com outros políticos de extrema direita, lançaram uma campanha de boicote ao perfil, que na manhã desta terça (26), somava 20,6 milhões de seguidores.

Desinformação coordenada X jornalismo 

A tragédia levantou o debate sobre os limites do jornalismo e perfis nas redes sociais que se autointitulam mídia e os compromissos com a ética da informação. Segundo pesquisa do Reuters Institute, brasileiros estão entre os mais pessimistas com relação à credibilidade das notícias e se informam, cada vez mais, através das redes sociais. 

O influencer Casimiro disse que são vários perfis que reproduzem informações coordenadamente em determinado momento e que dão a impressão de que se trata de uma notícia relevante, mas na realidade, é o interesse em se colocar determinado tópico no debate público. 

Para ele, as páginas devem ser responsabilizadas pelo que postam, pois hoje não é preciso do diploma para se exercer a profissão. “É muito grave o que pode acontecer e aconteceu. E isso é feito de uma forma coordenada”. 

Páginas agenciadas com conteúdo coordenado já foram tema de matéria do Núcleo Jornalismo, que aponta os riscos para o debate público, como a capacidade imensa de viralização e a linha tênue entre publicidade e informação orgânica. 

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