Por maioria de votos, o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu as condições em que as empresas jornalísticas estão sujeitas à responsabilização civil, ou seja, ao pagamento de indenização, se publicarem entrevista na qual o entrevistado atribua falsamente a outra pessoa a prática de um crime. A decisão tem gerado forte repercussão entre entidades do jornalismo, veículos de comunicação, bem como organizações da sociedade civil que acreditam que a decisão pode afetar a liberdade de imprensa.
Segundo a decisão, a empresa só poderá ser responsabilizada se ficar comprovado que, na época da divulgação da informação, havia indícios concretos da falsidade da acusação. Outro requisito é a demonstração do descumprimento do dever de verificar a veracidade dos fatos e de divulgar a existência desses indícios.
A tese também estabelece que, embora seja proibido qualquer tipo de censura prévia, a Justiça pode determinar a remoção de conteúdo da internet com informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas.
O caso que gerou a jurisprudência
O caso concreto diz respeito a uma entrevista publicada pelo Diário de Pernambuco, em maio de 1995. O entrevistado afirmava que o ex-deputado Ricardo Zaratini teria sido o responsável por um atentado a bomba, em 1966, no aeroporto dos Guararapes (PE), que resultou em 14 feridos e na morte de duas pessoas.
O recurso ao STF foi apresentado pelo jornal contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que confirmou a condenação ao pagamento de indenização, considerando que, como já se sabia, na época, que a informação era falsa. Segundo a empresa, a decisão teria violado a liberdade de imprensa.
Liberdade de imprensa não é absoluta
No voto condutor do julgamento, o ministro Edson Fachin observou que a Constituição proíbe a censura prévia, mas a liberdade de imprensa e o direito à informação não são absolutos, o que possibilita a responsabilização posterior em caso de divulgação de notícias falsas. Acompanharam esse entendimento os ministros Nunes Marques, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski (aposentado), Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso (presidente) e a ministra Cármen Lúcia.
Repercussão
Um nota assinada pelas organizações Repórteres Sem Fronteiras (RSF), Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Instituto Vladimir Herzog, Associação de Jornalistas de Educação (Jeduca) e Instituto Palavra Aberta expressa preocupação com o teor da tese definida pelo STF, especialmente em relação ao emprego de termos genéricos e imprecisos, que podem ampliar o cenário de censura e assédio judicial contra jornalistas e comunicadores.
“Esperamos que o Supremo, na redação do acórdão do julgamento, traga parâmetros mais concretos sobre o que entende como indícios concretos da falsidade das informações divulgadas e quais atos de cuidado deverão ser observados pelos veículos para que não sejam responsabilizados por informações ditas por terceiros, respeitando os preceitos da liberdade de imprensa que não podem ser restringidos ou afetados. Ao mesmo tempo, esperamos que os tribunais brasileiros apliquem a tese considerando a sua especificidade e condições, e evitem decisões que resultem no cerceamento do trabalho jornalístico exercido com ética e responsabilidade”, afirma a nota da sociedade civil organizada.
Editorial do jornal O Globo afirma que a decisão respeita o caráter do jornalismo, dado que o veículo de imprensa só poderá ser punido se houver má-fé. “Embora ainda haja dúvida sobre como será interpretada, a tese consagra de forma clara a plena liberdade de informação e expressão, determinando que uma empresa jornalística só pode ser considerada responsável por declarações caluniosas de seus entrevistados se tiver sido deliberadamente negligente na tentativa de apurar os fatos”, diz o texto. Já o colunista do mesmo jornal, Merval Pereira, entendeu que a decisão é perigosa para a liberdade de expressão e informação. “Imagina uma entrevista do Pedro Collor contra o então presidente Fernando Collor, com muitas injúrias – que mais adiante acabaram se confirmando. Como faria a revista que publicou? Se arriscaria a ser processada pelo presidente? O problema tem que ser a medida da credibilidade do veículo e da intenção”, afirmou.
A presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Samira de Castro, disse, em entrevista à CNN, que a tese aprovada tem um grau e responsabilização “minimamente condizente” com as preocupações da entidade de resguardo da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão. Ela afirmou que a proposta é uma “composição de princípios que talvez não traga tantos prejuízos para a atividade jornalística”. “Esse dever de cuidado que os ministros citam na tese é, na verdade, o fato de você ouvir o outro lado. É você dar espaço para o contraditório, na medida em que o seu entrevistado impute o que posteriormente for chamado de falso crime”, afirmou.
O jornal Folha de S. Paulo levantou o debate sobre o termo `dever de cuidado´, que aparece nesta decisão do STF e que consta no PL 2630, o texto para regulação das big techs, que está parado no Congresso Nacional. Para os especialistas ouvidos pela Folha, a decisão pode abrir um precedente para judicialização da atividade jornalística.
No início da sessão plenária de quinta-feira (30), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que a decisão da Corte de fixar critérios para responsabilizar empresas jornalísticas por divulgação de acusações falsas não significa, em hipótese alguma, mudança na jurisprudência da Corte a respeito da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão nem permissão para qualquer tipo de censura prévia. Barroso ressaltou que a imprensa profissional é um dos alicerces da democracia brasileira e tem no Supremo um de seus principais guardiões.