Ao menos 38% de participantes de um estudo realizado no Brasil compartilhariam ao menos uma notícia falsa sobre vacina, foi o que revelou uma pesquisa a partir de um questionário aplicado em uma amostra de 1845 pessoas, escolhidas após a adequação de gênero, idade, região e classe social para corresponder à composição da sociedade brasileira.
Coordenada por Wladimir Gramacho, do Centro de Pesquisa em Comunicação Política e Saúde Pública (CPS), Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC/UnB), a pesquisa buscou responder a pergunta “quem são as pessoas que compartilham notícias falsas sobre vacinas no Brasil”? A desinformação vacinal impactou de forma drástica os índices de aplicação de vacinas no país, tanto que o governo federal lançou uma campanha para combater as informações falsas sobre imunizantes.
O questionário aplicado aos participantes perguntava se eles compartilhariam ou não 12 “notícias” sobre vacinas, usando apenas os títulos para indicar o conteúdo. Seis delas eram verdadeiras e seis eram falsas: mas isso não foi informado antecipadamente aos respondentes. Notícias falsas diziam, por exemplo, que “Nova vacina tem chip para controle populacional” ou que “Tratamento ‘detox vacinal’ reverte efeitos da vacinação”.
A maioria dos entrevistados (62%) não compartilharia nenhuma das “notícias” falsas, mas o dado mais surpreendente é que 38% dos entrevistados compartilhariam ao menos uma notícia falsa sobre vacinas. “É um número muito expressivo e sugere que é importante investigar intervenções eficazes para lidar com esse problema. Vale lembrar que 8% compartilhariam cinco ou seis das notícias incorretas sobre vacinas”, alertou Gramacho.
Abaixo, a tabela com a distribuição dos dados:
Cruzando os dados com os perfis dos participantes, o estudo buscou delimitar segmentos sociais mais propensos à divulgação de notícias falsas.
“Se fosse possível unir todas essas características num só indivíduo, poderíamos dizer que ele teria entre 35 e 44 anos de idade e educação inferior ao ensino médio, pertenceria às classes D ou E e seria evangélico (não foram registradas diferenças entre os gêneros)”, afirma Wladimir Gramacho.
Além disso, seria um indivíduo que acredita que estar exposto naturalmente às doenças é mais seguro do que se vacinar e que acha que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro foi “bom” ou “ótimo”.
O cruzamento revelou outro aspecto importante. Enquanto diversas pesquisas sobre disseminação de desinformação apontam o segmento dos mais velhos como mais propensos a esta atitude, no caso específico brasileiro sobre vacinas o perfil mais suscetível foi o da faixa etária entre 35 a 44 anos. “Isso pode se dar, entre outras razões, ao fato de que pessoas mais idosas testemunharam o êxito do Brasil com campanhas de vacinação que erradicaram a varíola e a poliomielite. Por isso, talvez tenham maior confiança nas vacinas, frequentemente atacadas por notícias falsas”, pondera o coordenador do estudo.
Quem se informa pelo TikTok e Telegram compartilha mais fake news
A análise também identificou os hábitos de consumo de mídia das pessoas que compartilhariam “notícias” falsas sobre vacinas.
“O dado mais preocupante revela que usuários intensivos do TikTok e do Telegram compartilhariam, respectivamente, 1,82 e 1,75 ‘notícias’ falsas, em média. Como o valor máximo são 6 notícias, isso corresponderia a difundir aproximadamente 30% do conteúdo falso sobre vacinas que recebessem”, alerta Gramacho.
Entre os veículos analisados, apenas indivíduos que declararam se informar muito frequentemente pelo Jornal Nacional registraram média de intenção de compartilhamento de “notícias” falsas sobre vacinas inferior a 1 (0,77).
Os resultados completos da pesquisa serão divulgados durante o 2º Seminário “A desinformação científica como um problema público transnacional”, no dia 7 de novembro de 2023, na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC/UnB).
O que pode ser feito?
O coordenador da pesquisa Wladimir Gramacho listou algumas ações que poderiam auxiliar no combate à desinformação na área da saúde: “Uma funcionaria exatamente como uma vacina, tornando as pessoas menos suscetíveis a acreditarem em conteúdos com certas características que marcam informações falsas, como o apelo às emoções e um chamamento à ação. Essa é uma intervenção que deve ocorrer antes da exposição”.
Conhecido como “prebunking”, que pode ser traduzido por “imunização artificial”, trata-se de uma estratégia que busca preparar o usuário com informações seguras antes de ele se deparar com o conteúdo enganoso (saiba mais aqui).
A segunda estratégia é a refutação. “Ou seja, uma vez que houve o contato com a informação falsa, que explicações, justificativas ou abordagens por ser mais eficazes para corrigir essa inverdade”, aconselha Gramacho, que pondera: “em ambos os casos, os estudos científicos têm apenas indicações do que possa funcionar, mas é preciso termos mais estudos para obtermos evidências robustas. Inclusive no caso brasileiro, que sofre duplamente: com a desinformação e a escassez de recursos para pesquisa nessa área”.