“Tentativa premeditada de golpe”. Foi assim que o relatório final da CPMI do 8 de janeiro classificou a invasão da Praça dos Três Poderes da República, em Brasília. O documento, lido em parte na manhã desta terça-feira (17) pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), trouxe um capítulo exclusivo sobre a desinformação e o discurso de ódio compartilhados nas plataformas digitais, considerados como um dos elementos principais que levaram ao episódio golpista do início do ano.
Após cinco meses de atividades, a comissão avaliou que a invasão dos prédios públicos foi “obra do bolsonarismo”, resultado de uma “guerra híbrida”, iniciada meses antes do episódio golpista, à base de “mentiras, campanhas difamatórias, da disseminação do medo e da fabricação do ódio”, potencializadas pelas dinâmicas digitais das redes sociais.
“Massas foram manipuladas com discurso de ódio, milicianos digitais foram empregados para disseminar o medo, desqualificar adversários e promover ataques ao sistema eleitoral”, leu a relatora, a senadora Eliziane Gama. “Um golpe de Estado foi ensaiado e, por fim, foram estimulados atos e movimentos desesperados de tomada do poder ”.
No capítulo 4.1 do relatório, intitulado “Milícias Digitais”, a comissão destrinchou o funcionamento do gabinete do ódio, como ficou conhecido o grupo de assessores do ex-presidente Jair Bolsonaro que arquitetaram campanhas de desinformação coordenadas nas redes sociais. De acordo com o documento, o gabinete “teve papel central na campanha presidencial de 2022, inclusive com a tradicional radicalização de discurso e com a disseminação massiva de notícias falsas”.
As dinâmicas algorítmicas de recomendação de conteúdo, provenientes do funcionamento das plataformas digitais, também foram consideradas pelos senadores da CPMI. De acordo com eles, os algoritmos baseados na lógica passional capturam a atenção dos usuários, aplicando à política “a lógica agressiva da publicidade comercial hipersegmentada: eleitores se resumem a meios, afinal”.
Dessa forma, o relatório evidencia a necessidade de se debater a governança algorítmica ética de forma a combater a formação das chamadas “câmaras de eco”. “Esse, ao lado da questão ambiental, é o debate da nossa geração. Se nada fizermos sobre isso, outros 8 de janeiro existirão”, avaliou a comissão.
Relatório recomenda promoção da regulação das plataformas digitais
Além de pedir o indiciamento de 61 pessoas – incluindo o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro, ex-ministros e autoridades das forças armadas -, o relatório também traz 10 recomendações para o aperfeiçoamento legislativo para que novos episódios golpistas como o do 8 de janeiro não aconteçam novamente.
Estão incluídas nas recomendações, por exemplo, o fortalecimento da educação para e pela democracia, a criação do dia da resistência democrática e a inclusão do artigo 359-O no Código Penal, vetado em 2021 por Bolsonaro, que busca criar punições para a comunicação enganosa em massa que seja capaz de “comprometer a higidez do processo eleitoral”.
O relatório da CPMI também lembra da necessidade de promover e reforçar as iniciativas de regulação do ecossistema digital que estão atualmente correndo nas casas legislativas, como o Projeto de Lei 2630/2020, que busca criar a lei de liberdade, responsabilidade e transparência da Internet e redes sociais, e o PL 2370/2019, que trata dos direitos autorais no âmbito online, publicidade digital e remuneração de conteúdos jornalísticos utilizados pelas plataformas.
As recomendações trazidas pelo relatório levaram em consideração as sugestões feitas pelas organizações da sociedade civil, lideradas pelo Pacto pela Democracia, e entregues à comissão. No documento, as entidades lembraram que a organização dos atos golpistas contou com o impulsionamento das mídias sociais e que a moderação de conteúdo por elas feita não é suficiente para conter o discurso de ódio e conteúdos que atentam contra o Estado democrático de direito.
O texto do relatório final, lido nesta terça, será votado apenas na quarta-feira (18). Como apontou o G1, a base aliada ao governo federal espera ter votos suficientes para aprovar o documento.