Adoro Tik Tok. Curto Instagram, e, óbvio, Facebook é coisa de avó. Google pra tudo. Jornal? Impresso??? N. Esse é o perfil médio dos alunos que chegam ao terceiro período na PUC-Rio para fazer Economia Política das Mídias, disciplina obrigatória para o curso de Jornalismo e eletiva para Estudos de Mídia, curso que engloba as ênfases em Publicidade, Cinema e Tecnologia. Com maioria de alunos de Jornalismo, mas também incluindo os de Publicidade e Cinema, minha turma do semestre passado teve como trabalho final a apresentação de textos jornalísticos sobre as grandes plataformas digitais de comunicação sob um ponto de vista da economia política crítica da comunicação. Um certo choque de cultura para quem, de forma geral, só via as alegrias das redes sociais.
O curso foi um vaivém entre questões mais teóricas, como explicar o que é o capitalismo neoliberal, e questões mais visíveis do dia-a-dia, como olharmos juntos Termos de Uso de redes sociais e dissecar projetos de lei. Embora lidássemos com coisas visíveis, nem sempre a aparência mostrava a essência. A participação dos alunos às vezes era grande, mas outras vezes o fascínio das redes os levava para dentro dos próprios celulares e para longe da aula, ficando ali de corpo presente e espírito no zap e que tais. Disputar a atenção está cada vez mais difícil nos dias de hoje, e bate uma saudade da época das conversas paralelas em sala, não mediadas por grandes conglomerados estrangeiros em busca do lucro.
Com base em bibliografia, documentos, pesquisa própria na imprensa e entrevistas com especialistas, os grupos entregaram matérias sobre as plataformas que poderiam, a partir de uma seleção, ser publicadas no site da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), que generosamente aceitou a parceria. No dia da entrega, foram até a PUC o coordenador da Comissão de Educação da ABI, Vítor Iório, e o conselheiro da entidade João Baptista de Abreu, para ler e comentar as matérias e trocar ideias com os alunos. Um luxo.
As primeiras leis brasileiras e da Europa sobre a internet foram apresentadas aos alunos, e um grupo se debruçou sobre ataques bolsonaristas a uma delas na matéria “Debate sobre a responsabilização das plataformas atinge o Marco Civil da Internet”. A reportagem tratava principalmente da tradicional atitude de Google, Meta e outros de não se responsabilizar sobre conteúdo de desinformação e incitação ao crime, entre outros, distribuído por elas, demandando ações judiciais para removê-lo.
O PL 2630/2020 permeou a maioria dos trabalhos, por sua importância no combate à desinformação, e seus artigos e dificuldades na tramitação foram tratados com detalhes na reportagem “Flávio Dino e Orlando Silva afirmam que PL das Fake News deve voltar a ser pautado em agosto”. Os ataques diretos ao projeto pelas principais plataformas de comunicação foram acompanhados pelos alunos ao longo do semestre, inclusive ao se depararem com mensagens enganosas do Google e Telegram sobre o PL ao abrir a busca ou a rede social. A história era estudada enquanto ia acontecendo.
Dois trabalhos abordaram a luta de jornalistas e empresas jornalísticas por pagamento de direitos sobre o conteúdo que as plataformas veiculam, e que gera tráfego e lucro para elas. O jornalismo já vem à míngua porque a publicidade que o remunerava correu para os braços das plataformas. Com o título “Países da União Europeia demoram para adotar demandas de direitos autorais”, uma das matérias tratou das dificuldades de implantação da Diretiva de Direitos Autorais na U.E., que precisa de negociação entre as partes. Outro grupo escreveu “Acordo de direitos autorais com plataformas digitais aumenta receita de veículos jornalísticos australianos” explicando o Código de Barganha de Notícias. Inicialmente os alunos não problematizaram o poder do conglomerado de mídia de Rudolph Murdoch (o Roberto Marinho local e também global), bem maior que o restante da mídia australiana para negociar com as plataformas. Foi coisa demais para absorver, mas as observações dos dirigentes da ABI os colocaram na trilha dessas assimetrias mesmo numa legislação que avança na proteção dos direitos.
Outra frente de defesa do jornalismo profissional contra a desinformação foi explicada na reportagem “Luta pela PEC do Diploma de Jornalismo ganha força e expande campanha em 2023”. Os alunos trataram de um dos desmontes da importância da profissão de jornalista, que foi o fim da exigência do diploma do curso de Jornalismo para exercer a profissão. Na prática, até quem tem ensino médio e mostra que tem um blog ou canal informativo no Youtube consegue o registro de jornalista.
Na matéria “Desafios e Estratégias no caminho do Governo Lula: combate às fake news e outros problemas gerados pelas plataformas de comunicação”, o grupo explicou a criação de duas novas estruturas para dar conta dos problemas trazidos pelas plataformas: a Secretaria de Políticas Digitais, vinculada à Secretaria de Comunicação, com o objetivo de desenvolver estratégias e diretrizes para promover a transparência, a segurança e a ética nesse novo ambiente, e a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, na Advocacia-Geral da União.
Foi um conteúdo bastante pesado para alunos de terceiro período digerirem, mas, de forma geral, eles se mostraram à altura do desafio, entraram pela porta aberta pela disciplina e saíram olhando o que estava por trás da bela fachada que as plataformas mostram ao público. Se todos vão seguir investigando e descobrindo mais coisas, é com cada um, mas a ingenuidade no trato com as plataformas definitivamente ficou do lado de fora.