No último domingo, 13 de agosto, a Argentina realizou suas eleições primárias para presidência com a vitória do candidato ultraconservador Javier Milei (A Liberdade Avança), que conseguiu 30,4% dos votos. O resultado coloca o político como favorito para vencer o primeiro turno do pleito, marcado para 25 de outubro, e evidencia a expansão, ainda que atrasada em relação a outros países do bloco, da extrema direita no país.
A vitória de Milei, que hoje atua como deputado, pegou alguns jornalistas e figuras políticas argentinas de surpresa, já que nas primeiras pesquisas de intenção de voto ele aparecia abaixo de forças de centro-direita e centro-esquerda do país, que conseguiram, respectivamente, o segundo e o terceiro lugar nos resultados das primárias.
Lucía Wegelin, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Democracia e Autoritarismo da Universidade Nacional de San Martín (LEDA-UNSAM), explica que, apesar do espanto com o resultado, havia indícios do potencial do candidato ultraliberal há pelo menos dois anos, quando a Argentina começou a presenciar um movimento de polarização política mais acentuado.
A pesquisadora afirma que o deputado conseguiu surfar nesse sentimento antipolítica argentino, se colocando como uma figura nova no cenário e contra as castas dos políticos tradicionais. “A estrutura era dividida entre políticos e o resto. Milei construiu um discurso sobre isso”, disse Wegelin. A ascensão do ultraconservador, ainda segundo Lucía, não foi marcada pelos esquemas de desinformação característicos da extrema direita, como ocorreu no Brasil e nos Estados Unidos, salvo a repercussão de teorias da conspiração que negam as mudanças climáticas.
Por outro lado, foi posta em prática uma estratégia midiática mais ampla que contou com os veículos tradicionais e as redes sociais, como TikTok e Youtube. Na rede chinesa, por exemplo, o político já soma 1,3 milhões de seguidores, com vídeos recentes que chegam a mais de 3 milhões de visualizações. “Conseguiram construir um movimento cultural entre os jovens por meio das redes sociais”, avalia Wegelin. Mas foi na televisão e na rádio que o candidato, que se autodenomina “anarcocapitalista”, conseguiu alcançar fama no cenário político argentino nos últimos anos. Com seu jeito excêntrico e opiniões polêmicas sobre aborto, sexualidade e gênero, Milei deu entrevistas e participou de programas vinculados à lógica do espetáculo, evitando entrevistas a jornalistas políticos de prestígio no país.
Andrés Carbel, pesquisador integrante da Equipe de Investigación Política (EdiPo), afirma que essa estratégia conseguiu desenvolver um ecossistema de extrema-direita poderoso para divulgação de ideias e notícias tendenciosas. “Desenvolveu-se uma dinâmica de conversação pública, tanto na mídia quanto nas redes sociais, na qual são geradas visões conflitantes antes de cada acontecimento, que são convenientes aos interesses de um ou outro lado da disputa política”, comenta Carbel.
A partir dessa estrutura informacional, a extrema direita argentina, que também conta com a candidata Patricia Bullrich, buscou descontextualizar e distorcer acontecimentos, independente de serem posteriormente comprovados ou negados. Estratégia utilizada pelo setor desde a pandemia, que teve sua gravidade negada pelas figuras políticas.
Casos de desinformação como divulgação de notícias falsas, segundo Andrés, aconteceram cinco dias antes das eleições após um caso de assassinato de uma menina no país. “A mídia e as redes de ultradireita rapidamente disseram que um deputado pró-governo era o responsável pela libertação do ‘assassino’”, lembra. Algo semelhante também ocorreu há um ano quando um jovem tentou assassinar a vice-presidente Cristina Kirchner. “Imediatamente, do espaço da ultradireita, circularam diferentes versões dizendo que tudo estava armado, ou seja, que era um ataque falso, ou que a arma era de brinquedo”.
Bolsonaro argentino
Além do discurso antipolítica, Javier Milei é conhecido por falas ferozes antiesquerda e anticomunista. Também possui posicionamentos que ora soam conservadores, ora extremamente liberais. É contra a educação sexual nas escolas, contra o aborto e as discussões de gênero e a favor das armas. Na economia, defende a privatização e a redução do tamanho e da participação do Estado, além da saída do Mercosul e o fim do Banco Central do país.
Falas do tipo o fizeram ser vinculado a figuras da extrema direita contemporâneas, como o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump e Jair Bolsonaro, chegando a ser conhecido como o “Bolsonaro argentino”. A vinculação de Milei com Bolsonaro, porém, não é mera especulação. Além de ter apoiado a candidatura do ex-presidente nas eleições brasileiras do ano passado, o candidato argentino já se encontrou com o senador Flávio Bolsonaro em Buenos Aires.
Andrés Carbel também lembra que que Milei tem assessoria direta de Fernando Cerimedo, consultor argentino próximo a Bolsonaro que compartilhou mentiras para questionar a segurança das eleições brasileiras no ano passado. “Cerimedo traz toda essa experiência e atua como chefe de comunicação da campanha presidencial de Milei e como diretor de tecnologia. Este último significa que ele é o encarregado de cuidar dos votos tanto na contagem provisória digital quanto nas urnas”, explica.
Nesta semana, já com os resultados das primárias, Milei chegou a levantar ao jornal La Nación questionamentos sobre a segurança das eleições argentinas. “Se não tivesse havido fraude, eu estaria falando de 35 pontos. Temos os estudos para provar. Estaríamos na iminência de ganhar no primeiro turno”, afirmou o político.
Como apontou a série de investigação jornalística Mercenários Digitais, desenvolvida pelo Centro Latinoamericano de Investigación Periodística, Milei chegou a afirmar nas redes sociais que estava unindo forças com Jair Bolsonaro contra o socialismo no continente e a favor de Deus, pátria e família.