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ESPECIAL REGULAÇÃO: A caixa preta do impulsionamento nas redes sociais

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A publicidade mudou completamente com as redes sociais e é um ponto central desse modelo de negócio. A partir da coleta massiva de dados (nossos), as plataformas digitais segmentam os seus usuários e vendem essas informações para anunciantes, fazendo girar a sua máquina lucrativa. É um volume gigantesco de conteúdo patrocinado que circula nas redes e sabemos muito pouco como funciona esta engrenagem, que tipo de dados são utilizados, como é feita a distribuição dos anúncios, entre outros critérios de transparência para os quais as novas legislações para regulação da internet estão buscando respostas. 

A Lei de Serviços Digitais (Digital Services Act – DSA), da União Europeia, pondera que a “publicidade online pode contribuir para riscos significativos”. De acordo com o documento, os riscos “vão de anúncios publicitários que constituem, eles próprios, um conteúdo ilegal, à contribuição para incentivos financeiros à publicação ou amplificação de conteúdos e atividades ilegais ou de alguma forma lesivos, além da exibição discriminatória de anúncios publicitários com impacto na igualdade de tratamento e de oportunidades dos cidadãos”. 

As inserções publicitárias podem aparecer de formas diversas dentro das plataformas digitais. O diretor jurídico do grupo Sleeping Giants Brasil, Humberto Ribeiro, explica que é preciso entender ‘publicidade’ na era digital como um termo guarda-chuva para alguns modelos de anúncios, como publicidade programática e impulsionamento, por exemplo.

A professora e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Marie Santini, acrescenta a ideia de publiposts e até as recomendações sob o guarda-chuva da publicidade. “Uma vez que as plataformas online endossam ativamente determinados conteúdos e criadores, guiadas por seus acordos comerciais e interesses comerciais, as recomendações também têm efeitos publicitários”, explica a professora.  

Entre todos esses modelos, o mais mencionado pelas propostas regulatórias é o impulsionamento.

O que é impulsionamento?

O impulsionamento é, literalmente, promover uma publicação mediante pagamento. Humberto Martins explica que, ao contrário da publicidade programática, o impulsionamento ocorre dentro de uma rede social, o usuário publica um conteúdo em sua rede – um tweet, uma foto, um vídeo – e paga à plataforma para que esse conteúdo seja amplificado e possa alcançar outras pessoas além da sua base de seguidores.

Essa amplificação se dá a partir de mecanismos de microsegmentação, ou seja, seleção de perfis de usuários a partir de suas localidades, idades, gostos ou outros filtros que interessem aos anunciantes. A microsegmentação também é um aspecto delicado do modus operandi das plataformas digitais. Na União Europeia, a legislação proíbe o uso de dados sensíveis dos usuários para efeito de publicidade, bem como os dados de menores de idade. A lei europeia considera dados sensíveis aqueles que indicam crenças religiosas, orientação sexual e etnia. 

No Projeto de Lei 2630/2020, que tramita na Câmara dos Deputados, o impulsionamento é classificado como a “ampliação de alcance de conteúdos mediante pagamento pecuniário ou valor estimável em dinheiro para os provedores de que trata esta Lei”.

Caracterização similar é vista na proposta que o Executivo federal enviou sobre o PL, em que pontua o impulsionamento como “tração, priorização, patrocínio ou ampliação de alcance de conteúdos mediante pagamento pecuniário ou valor estimável em dinheiro para as plataformas digitais de conteúdo de terceiros”.

Por que regular o impulsionamento?

Desde o ano passado, uma série de relatórios do Laboratório de Estudos de Internet e Mídias Sociais (NetLab) da UFRJ e da organização internacional Global Witness mostraram a falha na moderação de conteúdos impulsionados por parte das plataformas digitais, em especial as redes do grupo Meta. 

A Global Witness realizou testes em que enviava ao Facebook anúncios com conteúdos que violam os Padrões da Comunidade da plataforma. Em seguida, a organização registrava os casos em que a Meta os aceitava ou rejeitava para publicação. No primeiro teste, em agosto, a empresa permitiu que fossem postados anúncios de uma conta não autorizada e aceitou todos os anúncios problemáticos para publicação.

Já o NetLab detectou, a partir da biblioteca de anúncios do Facebook, os conteúdos que foram publicados por páginas que atacavam a integridade eleitoral durante as eleições e que pediam golpe, após a vitória eleitoral de Lula no segundo turno. Nas três coletas de dados realizadas pelo laboratório foram encontradas publicações que deveriam ser proibidas na plataforma.

Existe uma assimetria regulatória entre radiodifusão e as plataformas online, pois não há nenhuma legislação brasileira ou qualquer marco regulatório que exija que as plataformas atuem como empresas de mídia em relação a campanhas de ódio, discurso político ou desinformação. Isso permite todos os tipos de fraude e conteúdo tóxico”, afirma a diretora do NetLab, Marie Santini. 

Humberto Ribeiro também é favorável à criação de regras sobre o impulsionamento das redes, destacando o quanto esse mecanismo amplificou discursos de ódio e informações falsas durante o processo eleitoral e a pandemia da Covid-19. 

Responsabilização pelo impulsionamento

Para o grupo Sleeping Giants, as plataformas digitais precisam ser responsabilizadas quando elas permitem o impulsionamento de conteúdo ilícito, pois, neste caso, elas não estariam no papel de meras intermediárias. Em documento lançado no fim de março em que pedem a regulação das big techs, o SGBR defende uma exceção à imunidade das plataformas no quesito publicidade. 

“No caso do conteúdo impulsionado, a plataforma exerce um papel ativo na otimização do conteúdo. Ela recebe um dinheiro para usar os seus algoritmos, para usar os dados dos usuários com a finalidade de fazer com que esse conteúdo chegue às pessoas mais sensíveis à exibição dele. Os algoritmos trabalham para direcionar aquele conteúdo  às pessoas com maior predisposição a acreditarem nele, a se sensibilizarem e interagirem com esse conteúdo. Sobre agir, eu quero dizer comprar uma bolsa qualquer, contratar um serviço ou invadir a praça dos três poderes”, destaca Humberto.

Atualmente as redes sociais usufruem desta imunidade em relação ao conteúdo de terceiros, conforme consta no artigo 19 do Marco Civil da Internet

O Projeto de Lei 2630 não traz nenhum dispositivo de mudança de responsabilidade ou de vedação ao impulsionamento de determinado conteúdo. No entanto, a proposta legislativa apresentada pelo Executivo federal traz a ideia de proibir o patrocínio de publicações que violem os direitos fundamentais previstos na Constituição, que incitem o ódio, neguem fatos históricos, incitem a sublevação contra a ordem democrática ou tenha  indícios de crimes contra o Estado Democrático de direito e indícios de crimes de terrorismo. 

Transparência no impulsionamento

A transparência do impulsionamento é o que buscam as propostas de regulação até agora. A Lei de Serviços Digitais da União Europeia, por exemplo, obriga as plataformas a identificação clara para o usuário de que aquele conteúdo é publicitário, além de indicar sobre quem é o anúncio, quem paga pelo anúncio e quais foram os parâmetro usados (as técnicas de perfilamento) para que aquele impulsionamento chegasse até o destinatário.

Tais obrigações, em maior ou menor grau, também estão presentes no Projeto de Lei 2630 e na recomendação do Executivo sobre o projeto que tramita no Congresso Nacional.

Além da transparência em relação ao post em si, especialistas indicam a necessidade de regras de transparência gerais sobre os conteúdos impulsionados, ou seja, a necessidade do que se convencionou chamar de ‘biblioteca de anúncios’, um espaço em que pesquisadores, jornalistas e usuários em geral podem visualizar anúncios realizados nas plataformas digitais.

Tanto a Meta quanto o YouTube atualmente possuem bibliotecas de anúncios no Brasil com entregas diferentes. A pesquisadora Marie Santini trabalha diretamente investigando esses espaços e aponta duas demandas principais para as bibliotecas: a indexação correta de todas as informações sobre as campanhas publicitárias, e que as informações e o conteúdo sejam disponibilizados de forma a serem passíveis de busca e navegação.

“Apesar de atualmente as bibliotecas disponibilizarem dados incompletos, de baixa qualidade e inconsistências, a maioria das plataformas sequer oferecem mecanismos de transparência de anúncios. Consideramos que todos os anúncios, de forma geral, devem ser públicos ou acessíveis publicamente, ainda que através de algum serviço. As APIs devem incluir todo tipo de publicidade, isto é, impulsionamento, anúncios, post patrocinado, compra de alcance para mensagens, endosso pago e recomendação de conteúdo”, defende Santini.

Para a pesquisadora, a transparência auxilia na remoção dos incentivos financeiros da desinformação e no combate a esse ecossistema. “Precisamos de mais evidências sistemáticas e robustas sobre como os atores da desinformação monetizam e lucram com suas operações. As campanhas de desinformação online são obscuras, ocultando muitos dos mecanismos que permitem seu funcionamento: como e por quem as campanhas de desinformação são financiadas, que infraestrutura elas usam para se sustentar financeiramente ou se conseguem qualquer lucro”, argumenta.

O DSA também reforça essa ideia no seu escopo, destacando que as plataformas digitais e motores de busca devem assegurar o acesso público a repositórios de anúncios publicitários exibidos “para facilitar a supervisão e a investigação dos riscos emergentes decorrentes da distribuição de publicidade online, por exemplo, em relação a anúncios publicitários ilegais ou técnicas manipuladoras e desinformação com um impacto negativo real e previsível na saúde pública, na segurança pública, no discurso civil, na participação política e na igualdade”. 

Impulsionamento governamental

“A gente acha que deveria ser criada uma obrigação geral de transparência para publicidade no Brasil, inclusive publicidade privada  e empresarial como o DSA cria. Teria que ter um portal de um repositório de anúncios dentro da plataforma facilmente acessível onde estejam disponibilizados todos os impulsionamentos que a plataforma permitiu, de empresas, de candidatos, de políticos, do governo, de empresas públicas, de todo mundo”, defende Humberto Ribeiro. 

Essa medida é necessária para que usuários e pesquisadores possam analisar os conteúdos, visto que “as plataformas já demonstraram que não têm condição de analisar todos os conteúdos”. Essa visão é confrontada pelos que acreditam que esse tipo de transparência vá causar problemas comerciais para as empresas ao expor suas estratégias publicitárias. Mas Ribeiro afirma que, ao menos, a publicidade governamental deveria ser inserida neste tipo de repositório e não apenas no Portal da Transparência, de modo que a sociedade civil possa fiscalizar o poder público. 

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