Início 9 pontos de vista 9 Publicar e remover rápido pode ser estratégia para desinformar

Pontos de vista

set 27, 2021 | pontos de vista

Publicar e remover rápido pode ser estratégia para desinformar

COMPARTILHAR:

O argumento de que o ambiente digital torna os processos sociais mais voláteis funciona para explicar muitos fenômenos, da emergência de mobilizações sociais à eleição de governantes incidentais, como defende Sérgio Abranches (2020). Existe um elemento volátil que é mesmo inerente à velocidade da própria rede, mas precisamos analisar também possíveis usos dessa característica.

Por mais contraditório que possa parecer, a volatilidade de conteúdos digitais pode ser não apenas uma característica, mas também uma estratégia de perenização desses conteúdos. Trata-se de uma estratégia que se alimenta da característica multiplataforma do ambiente digital, onde os conteúdos circulam muito rapidamente entre diferentes redes e usam isso para escapar dos efeitos da moderação ou da regulação.

Ou seja, trocando em miúdos, ao publicar um conteúdo online e divulgá-lo nas redes, ele ganha uma vida própria que, em certa medida, independe da referência original. Isso faz com que a exclusão dessa referência original, seja pelo próprio autor ou por medidas regulatórias, tenha impacto restrito.

Uma pesquisa feita por Marco Toledo Bastos e Dan Mercea (2019), na Universidade de Londres, mostrou que 29% dos links usados em tweets durante a campanha do Brexit desapareceram depois do referendo. Segundo eles, os links levavam a contas do Twitter que tinham sido removidas, bloqueadas ou apagadas ou a sites que não existiam mais.

Com base nesse e em outros estudos, Bastos e colegas (2021) vão propor um modelo de mensuração de informações de baixa qualidade. Um dos elementos desse modelo é justamente a sua duração, tendo em vista que, segundo eles, informações de baixa qualidade circulando em ambientes digitais são marcadas por uma pequena vida útil.

Aqui no Brasil, em uma pesquisa ainda em desenvolvimento da qual participo junto com Viktor Chagas e Juliana Marinho, identificamos que 42% dos links compartilhados em grupos bolsonaristas no WhatsApp sumiram em um ano. Todos esse conteúdo, no entanto, está longe de ter desaparecido das redes.

Uma parte da pesquisa consistiu em demonstrar a relação entre a data de publicação de vídeos do Youtube e a data em que eles passam a circular em grupos do WhatsApp bolsonarista. O que encontramos é que a grande maioria destes conteúdos já nasce multiplataforma, ou seja, assim que publicados em uma rede, já estão circulando em outra. É o que o pesquisador Viktor Chagas vem chamando de ‘conteúdo real-time’.

Em se tratando de conteúdos bolsonaristas, não apenas eles são prontamente compartilhados, como eles tendem a ser compartilhados durante mais tempo do que em outros públicos. Um relatório recente feito por pesquisadores da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da FGV (Piaia et al., 2021) mostrou que links que circulam no cluster bolsonarista no Twitter podem durar até 250 horas, enquanto em outros grupos essa medida se restringe a 100 horas.

Ou seja, conteúdos de baixa qualidade tendem a ser publicados e compartilhados rápida e longamente, o que faz com que a existência do conteúdo original seja muito menos relevante. Uma das consequências disso é que todas as medidas de moderação que digam respeito a apenas uma plataforma – como o Youtube tirar esses vídeos do ar – tenham um efeito importante, porém limitado dada a dimensão do fenômeno.

Precisamos estar atentos para não apenas descrever e identificar características do ambiente digital, mas também para compreender as estratégias de apropriação desse ambiente. Apenas assim seremos capazes de criar alternativas eficazes para seus usos e efeitos.

 

Referências

Abranches, S. (2020). O tempo dos governantes incidentais. São Paulo: Companhia das Letras.

Bastos, M. T., & Mercea, D. (2019). The Brexit botnet and user-generated hyperpartisan news. Social Science Computer Review, 37(1), 38-54. https://doi.org/10.1177/0894439317734157

Bastos, M., Walker, S., & Simeone, M. (2021). The IMPED Model: Detecting Low-Quality Information in Social Media. American Behavioral Scientist. https://doi.org/10.1177/0002764221989776

Piaia, V. et al. (2021). (Pseudo)Ciência e esfera pública. São Paulo.

 

COMPARTILHAR:
Nina Santos

Pesquisadora no INCT.DD e Carism/Université Paris II. Interessada pela disseminação de informação nas plataformas digitais e seus impactos políticos. Coordenadora acadêmica do *desinformante.

0
Would love your thoughts, please comment.x