O ano de 2023 está sendo marcado por uma série de discussões e ações relacionadas às eleições de 2022. Revelações e processos que envolvem o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus aliados próximos, CPMI dos atos golpistas de 8 de janeiro, pautados justamente na contestação das eleições do ano passado, sem falar na retomada de uma série de estruturas institucionais que estavam em frangalhos. É fato que tomar providências sobre os recentes intentos anti-democráticos é absolutamente essencial. Estamos, no entanto, numa típica situação em que é preciso avançar em frentes simultâneas: ao mesmo tempo em que se busca reparar o que 2022 trouxe e representou, precisamos encarar que estamos a menos de um ano das eleições de 2024.
Pensando no papel das plataformas digitais e sobre como processos de desinformação têm se disseminado nesses ambientes, avançamos pouco. O primeiro semestre de 2023 começou com uma discussão intensa do PL 2630, conhecido como PL das Fake News. Ele chegou a ter sua urgência aprovada na Câmara dos Deputados, sofreu um ataque intenso e desleal das Big Techs e acabou não indo à votação. Dele, derivou o PL 2370, que trata de questões como a remuneração de veículos jornalísticos por plataformas digitais e transparência da publicidade digital, que estavam originalmente no PL 2630. Também este projeto encontrou obstáculos e não tem perspectiva de votação. Por fim, houve a possibilidade de uma minirreforma eleitoral e uma tentativa de trazer as questões digitais para o debate, sem nenhum sucesso. Portanto, do ponto de vista regulatório, as leis que valerão para 2024 serão as mesmas de 2022, quando já se mostraram largamente insuficientes para lidar com o problema.
Em 2022, a insuficiência do aparato legal e a gravidade da situação fizeram com que o TSE publicasse resoluções que mudavam as regras do jogo tentando limitar o uso da desinformação como arma política. Essas medidas emergenciais ainda não foram amplamente debatidas pela sociedade fora de uma situação de crise, o que também gera certa insegurança sobre o papel que elas terão (ou não) em 2024. Especialmente considerando que tratam-se de eleições municipais, muito mais descentralizadas e dependentes de estruturas dos TREs.
Se do lado regulatório não houve avanços, do lado das empresas, houve retrocessos. A compra do Twitter (agora X) por Elon Musk é certamente um ponto de destaque negativo. Essa rede, que sempre foi um termômetro importante das discussões políticas na internet, está agora muito menos acessível do que antes a pesquisadores e autoridades. Sem falar nas mudanças nas políticas da empresa, que facilitaram a circulação de uma série de discursos problemáticos. Os pontos negativos não ficaram, no entanto, restritas ao Twitter | X, na verdade ele acabou abrindo espaço para que as demais empresas também relativizassem suas políticas e diminuíssem suas equipes dedicadas à garantia da diversidade e do combate à desinformação. O Youtube, por exemplo, voltou a permitir alegações de fraude nas eleições americanas de 2020, enquanto o grupo Meta teve que criar um grupo emergencial com moderadores de conteúdo em hebraico e árabe depois de ser notificado sobre a circulação de desinformação relacionada à guerra. Esses são apenas alguns exemplos dos problemas.
Tudo isso em um contexto em que o uso da Inteligência Artificial Generativa se tornou muito mais acessível, trazendo consigo muitas novas possibilidades, mas também uma série de novos problemas, como diversos especialistas têm apontado.
Em 2024, teremos eleições nos mais de cinco mil municípios brasileiros, um cenário completamente descentralizado, desigual e muito desafiador. Já há estudos que mostram como as dinâmicas de comunicação em eleições municipais são bastante diferentes das nacionais. Inclusive porque as realidades de mídia do país são muito diversas, com em torno de 30 milhões de brasileiros vivendo em desertos de notícias. Veremos qual será o impacto disso em 2024, mas é bom estarmos preparados para um problema que promete não ser pequeno.