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Como as redes sociais pautam e impactam o debate político

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*desinformante Universitário

Esta matéria faz parte da série “Redes sociais e democracia”, uma parceria do *desinformante com os alunos e professores da Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP)

Pesquisas eleitorais publicadas nas últimas semanas estão indicando um cenário confortável para alguns candidatos nas eleições para as prefeituras. Na cidade de Recife, a expectativa é de reeleição do atual prefeito, João Campos (PSB), que tem 76% das intenções de voto (Data Folha de 19 de setembro.

João Campos é o herdeiro político de seu pai, Eduardo Campos, morto em acidente aéreo em agosto de 2014. O jovem político despontou em 2018, quando foi, à época, o deputado federal eleito com o maior número de votos da história do Nordeste, e o quinto mais votado do Brasil. Em 2020, foi eleito para a prefeitura de Recife com 56,27% dos votos válidos.

Atualmente, Campos é marcado pela forma como usa as redes sociais, divulgando as ações de seu governo de forma descontraída, mesclando com eventos de sua vida pessoal. No dia 25 de junho, por exemplo, em meio às postagens em eventos, obras públicas e comícios, Campos reservou dois stories em sua conta do Instagram — que possui 2,4 milhões de seguidores — para postar sua ida ao cabeleireiro. Este tipo de conteúdo é comum entre os influenciadores digitais, que compartilham parte de sua rotina nas redes sociais, atraindo seguidores para conquistar espaço no mercado do marketing digital através da realização de “publis”.

[Foto: Reprodução/Instagram: @joaocampos]

Apesar da grande popularidade de João Campos, alguns especialistas discordam da influência direta entre as redes sociais e os resultados de uma eleição. Para Rodrigo Ratier, professor de jornalismo da Escola de Comunicações e Artes da USP, ainda há uma distância considerável entre a visibilidade de um candidato no debate público e seu peso em uma decisão de voto. “

Uma coisa é a presença digital, a influência que esses candidatos têm. Outra é o poder de convencimento: seguidor não necessariamente é eleitor. E, em terceiro lugar, a decisão de voto. Você pode ter um bom número de seguidores, convencer algumas pessoas a respeito de suas teses, mas elas ainda optam por outros candidatos”, defende Rodrigo Ratier, professor da ECA-USP

Camila Tsukemi, diretora de operações do Instituto Vero, vai de encontro com o que pensa Ratier, e acredita que as redes sociais têm cada vez mais importância nas eleições, em função de sua acessibilidade e maior conexão entre eleitor e candidato.

“A edição de 2024 da Reuters Digital apontou que as pessoas, sobretudo os mais jovens, têm utilizado mídias sociais para se informar em detrimento de outros meios. Em um cenário em que as pessoas têm consumido informação de forma digital, a habilidade de um candidato em usar essas plataformas de maneira eficaz pode ser um fator determinante para o sucesso da sua campanha”, afirma Camila Tsukemi, diretora da Instituto Vero.

Decisivo ou não, o debate político nas redes sociais é uma realidade que não pode ser ignorada. Segundo Débora Salles, coordenadora do NetLab UFRJ, laboratório de pesquisa em internet e redes sociais, a atuação de candidatos nas redes antecede até mesmo o contexto eleitoral.

“A internet vem invertendo a lógica de formação de personas políticas. Ao invés de construir carreira a partir da atuação partidária e contar com o partido para alcançar o eleitorado, agora, os indivíduos primeiro ganham projeção com as redes sociais e depois procuram um partido político que possa endossá-los”, explica Débora Salles, do NetLab UFRJ.

Para ela, a mudança faz com que critérios como número de seguidores, carisma, equipes de redes sociais e discurso simplista ganhem prevalência sobre estratégias tradicionais. Salles ressalta ainda que as mídias sociais abrem espaço para candidatos que não conseguem ganhar projeção por meio das mídias tradicionais, mas que encontram públicos específicos nas redes e, com isso, formam comunidades e conseguem ampliar seu alcance político.

O caso Pablo Marçal

Um exemplo recente de candidato “nascido” na internet é o empresário e influenciador goiano, Pablo Marçal (PRTB), que virou notícia em 2022, após promover uma expedição ao Pico dos Marins, na Serra da Mantiqueira, em São Paulo, de maneira inadequada, colocando a vida de 32 pessoas em risco. Com a produção de conteúdo motivacional nas redes sociais, ele deu início à sua carreira política nas eleições daquele ano, quando se candidatou a uma vaga na Câmara dos Deputados. Marçal foi eleito, mas o TSE indeferiu sua candidatura, impedindo-o de tomar posse. 

Atualmente, o empresário é candidato à prefeitura de São Paulo e tem disputado a liderança nas pesquisas ao lado de Guilherme Boulos (PSOL) e o atual prefeito da cidade, Ricardo Nunes (MDB), mesmo tendo anunciado sua pré-candidatura apenas no final de maio. Em pesquisa realizada pelo Real Time Big Data, com 1500 entrevistas entre os dias 31 de agosto de 2 de setembro), o candidato do PRTB aparece com 21% das intenções de voto, seguido por Nunes e Boulos, ambos com 20%. Em comparação com levantamento realizado em julho, Marçal cresceu sete pontos percentuais, enquanto seus dois adversários perderam nove cada.

A campanha do empresário é marcada pelo uso intenso das redes sociais, ataques diretos e pessoais aos seus adversários políticos e jornalistas e pela disseminação de notícias falsas, além do pagamento a seguidores que impulsionam cortes de vídeos seus. Uma das mais emblemáticas ocorreu quando Marçal utilizou os debates televisionados para acusar Boulos de ser usuário de cocaína, afirmando ter meios para provar a denúncia. Posteriormente, foi comprovado que o processo por porte de drogas no qual o empresário se baseou não estava no nome do candidato do PSOL, Guilherme Castro Boulos, mas de Guilherme Bardauil Boulos, candidato a vereador em São Paulo pelo Solidariedade. Bardauil, que declara voto em Nunes, explicou mais tarde que o episódio do porte de drogas ocorreu em 2001, quando estava transportando uma pequena quantidade de maconha para consumo pessoal.

No dia 24 de agosto, as contas principais de Marçal foram suspensas das redes sociais em uma ação protocolada pelo PSB — partido de Tabata Amaral, candidata à prefeitura de São Paulo — à Justiça Eleitoral, por suspeita de uso indevido dos meios de comunicação. A acusação diz que Marçal teria organizado um esquema de promoção de conteúdo nas redes sociais, no qual usuários que viralizassem cortes e trechos de vídeos do candidato receberiam um pagamento. O candidato se manifestou contra a decisão, alegando ser vítima de censura da Justiça, e criou contas reservas nas redes. Dois dias depois da suspensão dos perfis, sua conta reserva no Instagram já contava com 2,9 milhões de seguidores. Na quarta-feira (4) já eram 4,1 milhões. 

O discurso rápido, provocador, ofensivo, focado na meritocracia e ineficácia do Estado é apontado por especialistas como o principal responsável pela alta popularidade de Marçal, principalmente entre o eleitorado de baixa renda. É o tipo de discurso mais adequado para as redes sociais, que, segundo Camila Tsukemi, “ privilegiam conteúdos que engajam as pessoas ou que repercutem nas mídias, o que nem sempre é positivo para o debate público. Não raro, políticos promovem pautas controversas para se autopromoverem nesses espaços, privilegiando a polêmica e o ‘espetáculo’, em detrimento da promoção do interesse público ou do debate das propostas de campanha”.

Em entrevista à Jornalismo Júnior, a psicóloga Marília de Lourdes Araújo, da Universidade Paranaense (Unipar), explica que as redes sociais exploram o que é entendido pela psicologia como viés de confirmação.

“O viés de confirmação é quando as pessoas tendem a acreditar somente naquilo que tenha relação com as suas crenças. E as redes sociais têm esse potencial de mostrar somente aquilo que os indivíduos querem ver e ouvir, mesmo que seja algo atrelado a extremismos ou de caráter duvidoso, como as fake news“, diz a psicóloga Marília de Lourdes Araújo.

Para o jornalista e também professor da ECA-USP, Eugênio Bucci, o fenômeno não é algo necessariamente exclusivo das mídias sociais, mas próprio dos meios de comunicação de massa. “Esse é um problema antigo, não tem nada a ver com as redes digitais. Astros do rádio, da televisão, que vão para as eleições e ganham votos, é um fenômeno antiquíssimo. A celebridade leva uma vantagem de saída”, afirma. Apesar de não ser um fenômeno restrito às redes sociais, a forma como foram arquitetadas faz com que seus usuários recebam conteúdos por recomendações ou edição automatizada do feed, sem que tenham contato com outros pontos de vista, o que favorece a proliferação de discursos extremistas, radicais e polarizadores. 

O fato é que as redes sociais têm sido usadas por políticos para administrar sua imagem pública e expandir seu eleitorado, e em um ano de eleições como 2024, isso se intensifica. Narrativas simplistas e emocionalizadas são exploradas pelos candidatos, que usam e abusam de artifícios como slogans fortes e o fomento à desconfiança aos conteúdos veiculados contrários aos seus discursos. Em janeiro deste ano, os irmãos Carlos e Eduardo Bolsonaro lançaram uma plataforma de cursos voltada para pré-candidatos conservadores, onde compartilham conteúdos como “os segredos de uma campanha digital de sucesso” — o nome de uma das aulas —, e contam como é a rotina de postagens nas redes do ex-presidente Jair Bolsonaro, administradas por Carlos.

Quando influencers entram no debate

Para além dos candidatos propriamente ditos, os influenciadores digitais também despontam como atores no debate político. Em 2022, o TSE, em parceria com o projeto Redes Cordiais — organização de educação midiática não governamental e sem fins lucrativos —, promoveu ações com influenciadores visando o combate às fake news nas eleições daquele ano. Além disso, o Tribunal também proibiu, em 2017, a veiculação de propaganda eleitoral paga na internet, quando não identificado como tal e contratado por partidos e candidatos — prática da qual Marçal é acusado pelo PSB atualmente.

Segundo especialistas, o combate à desinformação e a luta pela transparência do processo eleitoral passam por uma regulamentação das redes, assim como pela atuação do Tribunal Superior Eleitoral e de agências de verificação de fatos. “É preciso desenvolver políticas públicas de regulamentação das plataformas, aumentar a transparência e responsabilização também de quem intermedia e lucra com a circulação de conteúdos, já que facilitam que agentes que propagam conteúdos desinformativos e fraudulentos ganhem projeção e relevância política com base nisso”, argumenta Débora Salles. 

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